Geração E

A abstenção é um problema, mas não é o único: votamos de forma informada?

A abstenção e os abstencionistas têm várias causas e rostos. A fraca participação está ligada a um sistema eleitoral e político ainda distante do cidadão, bem como um procedimento arcaico que prejudica sobretudo os cidadãos na diáspora, diagnósticos que aguardam vontade política que possibilite uma reforma significativa

A imprevisibilidade trouxe a sucessão de atos eleitorais, porém uma das poucas certezas em cada noite eleitoral é a elegia à própria eleição. Os candidatos, no meio de aplausos e clamores, que também são independentes dos resultados, afirmam que o povo foi ouvido, ou pelo menos parte dele.

De mãos no púlpito todos asseguram querer lamentar os elevados números da abstenção, numa nota introdutória de pesar sem pensar, a que não se segue nem um minuto de silêncio, ou de reflexão, pela nossa democracia, pois a euforia do arraial vai atirando sucessivamente minudências para um denso tapete de arraiolos.

Os números de afluência às urnas são deveras preocupantes. Apenas 51% dos eleitores votaram nas últimas eleições legislativas, valor bastante distante dos 92% de 1975. Curiosamente o número de cidadãos que exerceram o seu direito de voto é bastante semelhante (5.693.905 em 1975 e 5.563.497 em 2022). Ao olharmos especificamente para os eleitores fora do território nacional, apercebemo-nos que apenas 11% dos eleitores inscritos votaram em 2022, o que provoca uma subida do valor percentual total da abstenção dos 42 % para os 48%. O Partido Socialista, que atingiu a maioria absoluta (120 de 230 deputados) com 41% dos votos contabilizados, contou apenas com os votos de 21% dos quase 11 milhões de eleitores inscritos.

Os dados são conhecidos, tal como sabemos que a abstenção e os abstencionistas têm várias causas e rostos. A fraca participação está ligada a um sistema eleitoral e político ainda distante do cidadão, bem como um procedimento arcaico que prejudica sobretudo os cidadãos na diáspora, diagnósticos apregoados que aguardam vontade política que possibilite uma reforma significativa.

Do lado subjetivo e adjetivo dos abstencionistas, encontramos vários pretextos: desde o puro desleixo de quem não cumpre com a sua cidadania, o confiante ou resignado no seu convencimento de que não influenciará o resultado, o cauteloso que não considera estar devidamente informado para uma boa escolha, o isolado que não se sente parte desta comunidade ou o que por fruto das suas circunstâncias ou circunscrição vê-se o seu voto dificultado.

Não obstante, mais preocupante que os dados que temos, são os que não temos. Quantas das pessoas que exercem, e bem, o seu direito de voto, cumprem com o dever cívico de que esse voto espelhe uma escolha informada? Se não ambicionamos ser uma democracia de mínimos, mas um sistema verdadeiramente participado sem condescendências perante o cidadão e assente em responsabilidade cívica, necessitamos de promover seriamente o voto informado e em consciência.

Ao invés de perante um flagelo evidente encaminharmos o discurso para o voto obrigatório ou para incentivos ao voto, é indispensável ampliar a nossa visão e notar que o problema da abstenção é ladeado pelo do voto informado. A questão não pode ser colocada entre ir votar sem informação ou não votar, o cidadão consciente do seu compromisso cívico tem o dever, embora não jurídico, de se colocar na melhor posição possível para exercer a sua escolha.

Como podemos então contribuir para a resolução desta adversidade? Necessitamos de apostar na literacia política e democrática, começando pelas escolas e chegando transversalmente a todas as gerações por vários meios, incluindo o digital, e com estratégias de comunicação e de partilha de informação claras e isentas, que vão além de debates de 25 minutos e comentários de 25 horas que privilegiem novelas e novelos dos quais ninguém se desata.

Em vez de nos concentrarmos na pergunta “em quem vais votar?”, devemos assegurar as premissas que precedem uma conclusão individual. Todos nós eleitores devemos procurar responder pessoalmente a estas questões: Conheço todos os partidos que se apresentam a estas eleições? Entendo o funcionamento do sistema eleitoral e político? Consigo identificar os candidatos do meu círculo e os seus percursos? Como avalio a prestação dos vários partidos? Tem sido condizente com o que anunciam? Estou informado sobre os vários programas eleitorais e as diferentes visões para o país? Com qual dos partidos e candidatos me revejo mais? Pretendo que o foco do meu voto seja uma possível solução governativa ou uma representação mais fiel das minhas visões, sejam elas ideológicas ou não?

No fim, após uma ponderação destes vários fatores, estaremos aptos, com mais ou menos indecisão, a fazer conscientemente a nossa escolha. O somatório das nossas vontades expressas e arquitetura das mesmas definirá o futuro do nosso país. Assim, com a promoção do voto informado, além de aumentarmos o sentido crítico da sociedade civil, estaremos mais próximos de assegurar que as nossas instituições sejam o espelho da mesma e da sua capacidade de reflexão, não se envergonhando do seu reflexo numa altura em que se torna cinquentenária.