O rendimento disponível das famílias vai descer, as empresas vão ter dificuldades em obter produtos (e podem mesmo ter de parar), o comércio entre países está limitado e, acima de tudo, há incerteza. Estes são os quatro canais de impacto da guerra que é travada na Ucrânia por parte da Rússia, intensificados pelas consequências das sanções económicas.
O cenário é traçado pelo diretor-adjunto do departamento de estudos do Banco de Portugal, João Amador, numa conversa que tem no podcast feito pela própria autoridade bancária e que foi divulgado na sequência da divulgação do Boletim Económico, altura em que baixou a projeção de crescimento de 5,8% para 4,9% em 2022, com uma redução também prevista para o ano seguinte.
Aumento das matérias-primas importadas
O primeiro canal tem que ver com o aumento do preço das matérias-primas que Portugal importa, como as fontes de energia (petróleo e gás) ou os cereais. “Temos os produtores a enfrentar maiores custos de produção e vão exigir preços mais altos por unidade produzida”, sintetiza. Já tem vindo a acontecer e é uma nova pressão colocada quando já havia sectores sob pressão – já acontecia por exemplo nos preços do papel, que levou produtoras a aumentar preços. Em consequência, há uma “queda do poder aquisitivo” dos portugueses.
“Quando temos estas duas forças, temos no final preços mais altos e menores quantidades produzidas e consumidas, e menos rendimento”, sintetiza João Amador no podcast.
Perturbações na produção
O segundo canal mencionado pelo diretor-adjunto do Banco de Portugal passa pelas “perturbações diretas na produção”, como sejam as dificuldades de transporte e as paragens no abastecimento. Mais uma vez, a pandemia já tinha levantado estes problemas, pelo que agora há um agravar da situação.
O caso dos chips para a eletrónica é um dos exemplos dados pelo responsável. Há “elementos para a produção dos chips incorporados nos aparelhos eletrónicos, fornecidos a partir da Ucrânia”, e “uma paragem poderá ter consequência em toda a indústria mais eletrónica”.
“No entanto, a capacidade de adaptação das empresas – já demonstrada durante a pandemia – mitiga o impacto deste tipo de choques no médio prazo”, é o que diz o supervisor no Boletim Económico que foi divulgado.
O comércio
Todos estes problemas têm implicações nas trocas comerciais entre os países. Diretamente nem há grande ligação entre Portugal e a Rússia e a Ucrânia, as duas economias mais expostas à guerra. Os dois países representam 0,4% das exportações nacionais e 2% das importações de bens, segundo os dados de 2015 a 2019. Mas o mundo está interligado.
“É limitado, mas há muitos países com os quais comerciamos bastante que são mais afetados. Os efeitos indiretos, em termos de procura externa dirigida a Portugal, as coisas podem ser mais significativas”, continua o responsável do supervisor.
A incerteza
Por fim, nas estimativas da autoridade comandada por Mário Centeno, há um quarto canal de impacto: há incerteza e há impacto nos mercados financeiros. O pessimismo adia decisões de consumo de família e adia decisões de investimento de empresas. O que paralisa a economia.
A contribuir para todo este cenário “adverso” há ainda as consequências das sanções, acrescenta a economista do Banco de Portugal Gabriela Castro. Há “consumidores e grandes empresas mais resistentes em adquirir matéria-prima que provém da Rússia”, tendo em conta as sanções impostas em determinadas áreas (isto apesar de a exposição ao país até ser limitado), mas há um problema: “retaliações”. Uma “possível sanção russa a fornecimentos de energia” teria grandes consequências na zona euro e, claro, em Portugal, disse a economista no mesmo podcast.