Economia

CGD a trocar dados secretos sobre o crédito? “Não estou a ver sequer grande interesse”, diz gestor da Caixa em tribunal

José João Guilherme, administrador executivo da Caixa, foi a tribunal dizer que o intercâmbio de informações entre funcionários de bancos “não parece muito normal”. Com coima de 82 milhões, lembrou que o banco tem como “desígnio” devolver a ajuda aos contribuintes

Foto: Nuno Botelho

A Caixa Geral de Depósitos é o maior banco do sistema financeiro português, historicamente tem as maiores quotas de mercado no crédito à habitação, e não tinha, por isso, interesse em trocar informações secretas, relativas por exemplo à sua produção de empréstimos, com outras instituições. Quem o defende é o administrador executivo José João Guilherme, que o referiu na sessão do julgamento do chamado cartel da banca esta sexta-feira, 18 de fevereiro, em Santarém.

“Esse tipo de partilha de informação, se era feito para dentro da CGD e para fora, do ponto de vista da Caixa, seria um erro. Era o banco de maior dimensão. Só redundaria em [perda de quota]. Não estou a ver sequer grande interesse na instituição onde estou”, declarou o gestor da equipa de Paulo Macedo no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, para onde a Caixa recorreu da coima de 82 milhões de euros aplicada pela Autoridade da Concorrência (juntamente com outros 10 bancos, contestando todos as sanções conjuntas de 225 milhões).

“Do ponto de vista da CGD era muito pouco interessante”, disse, para mostrar que o banco não tinha incentivos para a troca de informações sensíveis, como acusa a AdC.

Mostrando-se surpreendido com algumas provas exibidas no tribunal com a troca de informação, José João Guilherme – na CGD desde 2017, antes disso no BCP e no Novo Banco – afirmou que as trocas de informação seriam “informais”. “Se era feito, não era com certeza do conhecimento do conselho [de administração]”, comentou também. Sobre este tema, o procurador do Ministério Público lembrou e-mails em que funcionários da Caixa pediam autorização aos superiores hierárquicos para ceder dados internos.

Era bom conhecer os autos

Numa audição em que defendeu que não estava no banco na altura dos factos (2002 a 2013), José João Guilherme ouviu até a juíza Mariana Machado a dizer que “era bom conhecer a documentação que está nos autos”. Tendo alguma dificuldade em reconhecer e perceber os documentos mostrados pelo tribunal, José João Guilherme pediu ajuda à juíza sobre o que continha um dos e-mails trocados. “Parece haver a comparação do pricing (preço)”, referindo, porém, que “nunca tinha visto o documento”.

Sobre este tema, a juíza Mariana Machado quis deixar uma nota no final: “o tribunal tem a pretensão de falar para as visadas, seja qual for o desfecho, independentemente de censura ou absolvição. O tribunal gostaria de ser compreendido, e para ser, talvez não fosse pior inteirarem-se devidamente do que consta dos autos”.

O administrador da Caixa com o pelouro do retalho, direção jurídica e internacional afirmou não ter conhecimento da troca de informação em detalhe na dimensão referida pela juíza – grelhas de spreads, volumes de crédito e cross selling entre colaboradores de vários bancos. “Não me parece muito normal, pelo menos pela minha experiência”, disse, sublinhando mais uma vez: “Não tinha noção. Não estava no banco nessa altura”.

Paulo Macedo, presidente da CGD

Regras de concorrência mudaram

“Às vezes, as pessoas fazem coisas disparatadas”, disse também João Guilherme em relação à troca de informação. “Se há factos, há factos e eu não contesto factos”. Ainda assim, frisou que o tema da concertação o surpreendeu, porque há segregação de funções entre quem decide, quem formata e quem propõe dentro do banco.

José João Guilherme, quando questionado sobre qual a racionalidade deste tipo de troca de informação, referiu não a compreender: “com os ciclos de informação pública que existem não vejo qual a necessidade de haver troca de informação mensal. A informação pública é trimestral”. Ainda em resposta às questões colocadas pela juíza Mariana Machado, o administrador executivo do banco público adiantou que “uma coisa é uma compilação de informação pública que pode ser feita através do site ou aplicação do banco”. “O que acho mais estranho é que se apurem os volumes de produção dos bancos A, C ou D”, muito embora considere que neste contexto “esta matéria não é sigilosa”.

O administrador apontado pela Caixa como seu representante legal neste processo referiu ainda em tribunal que o sigilo e a matéria de concorrência são hoje tratados de forma mais específica, adiantando que o Código de Conduta da CGD faz referência “a determinadas matérias que não podem ser partilhadas sob pena de procedimento disciplinar, tais como práticas restritivas da concorrência, entre as quais troca de informações sensíveis sobre preços praticados, volumes de produção e quotas (…)”.

Maior coima para banco que quer devolver a contribuintes

“A situação financeira da Caixa é francamente melhor do que quando iniciámos funções em 2017”, respondeu o gestor bancário, quando questionado pelo procurador Paulo Vieira neste processo em que enfrenta a coima de 82 milhões de euros, a mais elevada entre todos os bancos.

“O desígnio da CGD é restituir aos contribuintes o dinheiro que os contribuintes colocaram na Caixa”.

José João Guilherme, administrador da CGD

Tal como tem referido o presidente executivo da CGD, Paulo Macedo, também José João Guilherme explicou que o “desígnio” da CGD “é restituir aos contribuintes o dinheiro que os contribuintes colocaram na Caixa”.

O administrador executivo defendeu que a soma de prejuízos na última década supera ainda o conjunto de lucros. Admitindo que a entidade estatal “tem” de dar o exemplo, Guilherme frisou ainda que, apesar de ser um banco com capitais públicos, “tem de operar em contexto concorrencial”.

A AdC fechou o processo que ficou conhecido como cartel da banca (apesar de não haver a acusação de cartel no seu desfecho) ao considerar que havia troca de informação sensível, confidencial, que os bancos usavam para assegurar as respetivas trocas de informação.

Às coimas de 225 milhões de euros, 11 instituições de crédito reagiram com recursos para o Tribunal da Concorrência, num julgamento que está agora no seu fim. As alegações finais deste caso são na próxima semana, sendo que a sentença deverá chegar em abril.