Economia

Quem é o Mario Draghi do jogador Marcelo?

Falta um cenário, desta feita maioritário: o Bloco Central (se incluirmos a IL podemos estar a falar de cerca de 70% dos votos estimados na generalidade das sondagens). Cenário que, com os dados que temos, só será viável por iniciativa presidencial, em nome de uma urgência nacional. Nesse caso, quem convidará Marcelo para primeiro-ministro?

Era uma vez um professor deambulando em cogitações sobre a vida, num lugar de veraneio junto a um casino, e sentindo uma vertiginosa sedução pelo jogo. Esta é a história de Aleksei Ivanovitch em Rolletenburg, o jogador compulsivo criado por Fiodor Dostoievski. Ou talvez não.

Ninguém vai conseguir ter maioria absoluta no dia 30 de Janeiro. À direita do PS não haverá uma maioria suficiente para assegurar a governabilidade: PSD, CDS, IL e Chega não têm condições para se entender; não sou eu que o digo, são eles. Do PS para a esquerda, uma Geringonça liderada por António Costa não é hipótese agora; não sou eu que o digo, foi o secretário-geral do PS que o disse no debate com Rui Rio.

Sobre cenários, António Costa limitou-se a suspirar por uma maioria com o PAN. O grau de probabilidade de isso acontecer, convenhamos, é o mesmo de apostarmos tudo no 0 na roleta e ganharmos.

Dito isto, há duas coisas relevantes a ter em conta. A primeira, é que a visão que o PS tem para o país circunscreve-se ao Orçamento para 2022, chumbado há meses por toda a gente, e que Costa – ultrapassando todos os limites do bom gosto e da sensatez – exibiu pateticamente no debate com Rui Rio. Para memória imediata ficam os memes que inundaram a internet. A segunda, mais importante, é a afirmação repetida tantas vezes por Marcelo Rebelo de Sousa no discurso do Ano Novo, e que fez esquecer tudo o resto: a necessidade de “virar a página”.

Pergunto: como é que se conciliam estas duas marcas indeléveis e contraditórias do actual tempo político nacional?

Vamos aos cenários de governação minoritário. Se Rio surpreender e ganhar as eleições, Costa demite-se, mas é improvável que a esquerda não tenha maioria parlamentar. A menos que o PS se abstenha nas votações essenciais (programa de Governo e orçamento), dificilmente o novo secretário-geral do PS – Pedro Nuno Santos? – não cede à tentação de formar uma Geringonça 2.0, com o PCP e/ou BE no Governo. Marcelo dá-lhe posse? E dando, “virar a página” significa isso? Virar a página para trás? É uma frente governativa de extrema-esquerda, empobrecendo o país ainda mais, que Marcelo quererá como legado presidencial?

Se Costa ganhar, e presumindo que a proposta de Orçamento para 2022 é a mesma, como é que é de esperar que todos os partidos que a chumbaram mudem de posição? Admitamos, porém, que Rio não se demite e que o PSD se abstém nas votações do programa de Governo e no orçamento. Neste cenário, Rio não sobreviverá a um congresso extraordinário e a solução governativa terá necessariamente os dias contados. É isto que Marcelo considera “virar a página”? É assim que o país dará respostas às ameaças de inflação e de subida das taxas de juro, e ao período pós-pandémico e necessidade de implementar o PRR?

Falta um cenário, desta feita maioritário: o Bloco Central (se incluirmos a IL podemos estar a falar de cerca de 70% dos votos estimados na generalidade das sondagens). Cenário que, com os dados que temos, só será viável por iniciativa presidencial, em nome de uma urgência nacional. Nesse caso, quem convidará Marcelo para primeiro-ministro? Eanes fê-lo três vezes, mas em nenhum dos casos foi solução estável e bem sucedida. Ainda assim, e admitindo que os tempos e os desafios são outros, e que a União Europeia é uma baia a não desconsiderar, quem será, para Marcelo, o Mario Draghi português?

Neste cenário, menos improvável do que se possa pensar, Marcelo partiria o PS, entregando-o a uma luta ideológica severa e daria nova oportunidade ao centro-direita para se reestruturar. E assim ficaria indelevelmente para a história. Já se a história, nesse caso, lhe será benevolente, dependerá muito dos resultados finais. Mas lá que seria um all in, seria.

Dostoievski retratou em Aleksei Ivanovitch o típico jogador compulsivo. O típico jogador compulsivo, dizem os especialistas, passa por três fases: o ganho, a perda e o desespero. E o que é que isso interessa para aqui?, pergunta o leitor mais distraído.

Há um Marcelo, de quem a maior parte dos portugueses se esqueceu, que gosta de jogar e que é mais parecido com Aleksei Ivanovitch do que gostaria de ver reconhecido, que ainda poderá andar por aí. Marcelo ganhou tudo o que havia para ganhar, mas, jogando alto, perdeu a última aposta. Com a mesa a fechar, poderá ser Janeiro o tempo da última jogada? A fase do desespero? Nesse caso, repito a pergunta: quem é o Mario Draghi de Marcelo?