Houve mais de 2500 participações na consulta pública da revisão do contrato de concessão do serviço público da RTP. O tema mais referido foi o das touradas?
Sim, mas houve muitos outros. É muito simples: não há qualquer menção a touradas no contrato de concessão atual nem no revisto.
Não há uma determinação, um guião, uma orientação para acabar com as touradas na RTP?
Não, nem poderia haver. O que está atualmente no contrato de concessão é uma determinação que diz que a RTP deve respeitar os direitos humanos e nós decidimos acrescentar o meio ambiente, a sustentabilidade ambiental e o bem estar animal, o que me parece absolutamente consensual do ponto de vista do que é hoje a nossa sociedade. Não tomamos nenhuma posição sobre as touradas porque em última análise a quem cabe decidir se vai haver ou não este conteúdo são os diretores de programas. Na lei portuguesa as touradas são consideradas uma manifestação cultural e nós não podemos limitar a RTP de cobrir manifestações culturais. Nós não estamos a falar disso e não estamos de maneira nenhuma a fazer qualquer tipo de mecanismo censório. O que introduzimos é um dado que nos parece relevante e consensual na sociedade atual que é a questão do bem-estar animal. Bom, se isso é contraditório com as touradas, digamos que essa contradição existe na sociedade.
Mas já disse que as touradas não se coadunam com o bem estar animal.
Se me pergunta se com um contrato de concessão onde isto está escrito há espaço para haver touradas eu diria que creio que não é compatível o facto de se defender o bem estar animal e de haver transmissão das touradas nos canais públicos mas nós não estamos a tomar essa posição, essa é uma decisão da direção de programas.
Está a empurrar a responsabilidade para a direção de programas.
A responsabilidade é de quem decide os conteúdos, que são os diretores de programas. Ao governo cabe dar o enquadramento quer do ponto de vista do contrato de concessão quer do ponto de vista do que diz a lei. A lei considera a tourada uma manifestação cultural mas por outro lado há uma agenda de defesa do meio ambiente e dos animais que nos parece que deve estar plasmada no contrato de concessão. Eventualmente há uma contradição na sociedade portuguesa neste momento.
O Governo não está a dizer claramente para se acabar com as touradas na RTP?
Não. Não está nem poderia estar. A lei considera a tourada uma manifestação cultural, nós não podemos limitar a RTP de cobrir manifestações culturais… o Bloco de Esquerda, por exemplo, diz que não deve ver touradas na RTP.
Acha que as touradas são uma manifestação cultural?
Está a perguntar-me pessoalmente ou como governante? Eu não tenho 'achares' nesta posição. Eu aqui tenho de trabalhar de acordo com a lei. No contrato de concessão não está escrita a palavra tourada em lado nenhum.
A partir do momento em que se está a colocar a direção de programas perante um contrato que diz que se tem de respeitar o bem-estar animal, não seria estranho que houvesse touradas na RTP?
O que é muito bom na RTP é que tem várias camadas de regulação, o governo faz o contrato de concessão, há um Conselho Geral Independente que aprova os planos estratégicos, há um conselho de administração que nomeia direções que tomam decisões sobre programas. As direções são independentes. Há um conselho de opinião que representa a sociedade civil e que pode opinar. Há o Parlamento onde os responsáveis da RTP são chamados a responder. Este sistema de checks and balances que é democrático e plural traz uma coisa muito boa para a RTP: discussão. O governo não está impor visão nenhuma, o governo está a constatar um facto que é a lei dizer que as touradas são uma manifestação cultural, nós defendemos no contrato de concessão da RTP que devem ser valorizadas coisas como a defesa do ambiente e do bem-estar animal. Se existe essa contradição, essa contradição é da sociedade em que vivemos. Quem tem de decidir? O diretor de programas. Atualmente não há nenhuma tourada prevista e o novo contrato de concessão nem sequer está aprovado.
Como é que se pode chegar à conclusão de que a direção de programas não está a cumprir o contrato de concessão, nesta ou noutras matérias?
O contrato de concessão tem princípios orientadores, não se pode dizer que se cumpriu ou não se cumpriu neste ou naquele caso. Os princípios orientadores estarão ou não a ser seguidos.
Mas quem decide se os princípios orientadores estão ou não a ser seguidos?
Todos os órgãos que já referi. A RTP é uma estação pública, é de todos os cidadãos, de todos nós. A política que o governo faz é para os cidadãos, não é para o sector da tourada ou para outro qualquer, temos de pensar num todo. É interessante que haja vários órgãos que têm uma palavra a dizer sobre a RTP, porque isso torna a gestão da RTP escrutinável e faz as pessoas envolverem-se. O contrato de concessão não é uma coia que se possa dizer taxativamente que está ou não está a cumprir em aspetos específicos como este.
Houve uma altura em que o futebol estava disponível para toda a gente nos canais abertos mas depois transitou para canais pagos, o que leva a que hoje quem quer tem de pagar para ver a maioria dos jogos de futebol. A tourada também deveria avançar nesse sentido, ou seja, as pessoas que quiserem ver touradas terem canais específicos que pagam para poderem ver?
Felizmente hoje há muita oferta audiovisual. Um dos argumentos que é usado é o de que as touradas têm muita audiência. Se têm, então provavelmente os privados estarão interessados em transmiti-las. Se essa é a questão, com certeza o mercado funcionará. Se de facto a transmissão de touradas é um espetáculo que interessa às pessoas, com certeza haverá canais de televisão que pegarão nisso.
Que outros temas se destacaram na consulta pública?
Este destacou-se pela sua especificidade. Depois houve questões mais genéricas que têm a ver com a informação, que canais deve a RTP ter ou não, os equilíbrios entre a produção interna e independente e a responsabilidade que a RTP tem no cinema, o equilíbrio com os privados.
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Touradas na RTP: “Se as touradas têm muita audiência, então provavelmente os privados estarão interessados em transmiti-las”
Não há nenhum “mecanismo censório” para impedir a transmissão de touradas na RTP, garante Nuno Artur Silva, respondendo à polémica levantada no âmbito da revisão do contrato de concessão da RTP, atendendo a que nele foi incluída uma referência à necessidade de a estação pública de televisão respeitar o “bem-estar animal”. O secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media diz que é à direção de programas que cabe decidir se transmite ou não as touradas, numa entrevista publicada na última edição do semanário e cuja versão integral agora se publica.