Economia

Rafael Mora denunciou Nuno Vasconcellos à justiça por “desvio” através de offshore

Investigações após denúncias feita em 2018 ainda continuam

Jose Fernandes

Rafael Mora, ex-administrador da Ongoing, denunciou à Procuradoria-Geral da República o antigo homem forte daquele grupo económico por considerar que houve “desvio” de fundos através de uma offshore, cuja existência foi revelada por uma investigação do Expresso.

“A 12 de junho de 2018, eu próprio e o André Parreira [antigo diretor da área tecnológica do grupo] interpusemos uma denúncia contra Vasconcellos, denúncia essa que sofreu um aditamento a 11 de setembro de 2018”, revelou Rafael Mora aos deputados na comissão de inquérito às perdas do Novo Banco, na audição desta quarta-feira, 9 de junho, para que foi chamado a prestar depoimento depois da polémica – e pouco esclarecedora – audição de Nuno Vasconcellos.

Quando soube que iria ser chamado ao inquérito parlamentar, Mora consultou o Ministério Público para saber do andamento do processo. Foi-lhe transmitido que “as duas denúncias estão sob investigação na Polícia Judiciária”.

"Desvio de ativos"

Não querendo estender-se fortemente sob o assunto, por estar em investigação, o antigo braço-direito de Vasconcellos respondeu que uma das “protagonistas” da denúncia é a Affera, sobre a qual disse ter conhecimento por uma notícia do Expresso em 2017.

Sediada no Panamá, a Affera é uma sociedade detida pela família Rocha dos Santos, de Vasconcellos, para onde foi transferido património da Ongoing a partir de 2016, quando estava já mergulhada na insolvência. Na sua audição, e antes de abruptamente terminada por decisão dos deputados, Vasconcellos recusara ser acionista e administrador da Affera, mas também dizendo apenas que um dos acionistas era o padrinho do filho.

“No nosso modesto entendimento, houve um desvio de ativos”, acusou Rafael Mora na sua audição.

Além desta operação, o espanhol considera que o seu antigo sócio - na Heidrick & Struggles desde os anos 90 - também fez negócios no Brasil, nas sociedades tecnológicas que ali tinha (como a HIS), que tiraram poder aos outros acionistas (as empresas em Portugal e aos seus credores, como o Novo Banco). “É materialmente impossível aumento de capital. Aconteceu, sim, um desvio”, declarou Rafael Mora. “A Affera passou a deter controlo absoluto”.

Amigos desavindos

Já se sabia que a situação entre os dois antigos parceiros não era já fácil desde que Mora pediu em tribunal a insolvência da Rocha dos Santos Holding, mas, na sua audição parlamentar, houve mais pormenores. “Tenho boa memória, e tanto quanto sei, nunca padeci de amnésia total, nem seletiva, pelo que considero estar apto para poder responder”, tinha já dito no início da sessão (numa referência a personalidades lá ouvidas, como aconteceu com Zeinal Bava, que foi seu colega na administração da Portugal Telecom).

Desde o fim de 2014, não há quaisquer relações entre os antigos amigos, sendo que no início do ano seguinte Mora demitiu-se. “Não renego que fui um dos melhores amigos do Nuno Vasconcellos”, lembrou, e depois disse que podia haver a leitura de que, ao sair do grupo, era visto como “um rato que salta do barco quando o barco se está a afundar”.

Mas não, garantiu, dizendo que houve várias razões, desde logo um desnorte da gestão de Vasconcellos, mas também porque é católico. “O suicídio não faz parte da prática”. E era assim que se encontrava o grupo.

"O que valia a Ongoing"?

A Ongoing ficou célebre quando Agostinho Branquinho, como deputado, questionou o que era a Ongoing e depois acabou lá a trabalhar. Mas “a pergunta de um milhão de dólares é outra: o que valia a Ongoing”. Mora não sabe, mas diz que foram “cometidos alguns erros”, que atribuiu a Vasconcellos.

Mora considera que a “maior estupidez” de Vasconcellos foi ter tentado ganhar poder na Impresa (proprietária do Expresso) e propo-lo a Francisco Pinto Balsemão. A proposta passava por fazer um aumento de capital para resolver os problemas financeiros da Impresa, tornar-se maioritário, e tornar-se CEO. A partir daí, o seu projeto de poder – com força nos media, onde detinha o Diário Económico – não tinha pernas para andar. “A cereja no topo do bolo foi contratar o chefe das secretas”, disse, referindo-se a Silva Carvalho.