Economia

Centeno desvaloriza peso de moratórias que terminam agora

Créditos à habitação de 86 mil devedores, com um valor médio de €38 mil, deixam de estar protegidos esta quarta-feira. Banco de Portugal está a avaliar tecido empresarial para saber onde será preciso soluções para o final das moratórias a empresas em setembro

MIGUEL A. LOPES

“Essas moratórias têm vindo a perder importância”. Mário Centeno considerou, aos deputados da comissão de Orçamento e Finanças, que as moratórias privadas nos créditos à habitação que deixam de proteger os clientes esta semana – já amanhã, 31 de março, – não foram concedidas aos clientes mais problemáticos. Esses estão enquadrados na moratória legal, em que a generalidade das moratórias termina em setembro.

“A esmagadora maioria das moratórias [no crédito à habitação] estão ao abrigo da moratória pública” que, segundo afirmou o governador do Banco de Portugal, tinha condições de acesso “muito claras”, “bastante abrangentes” e que era destinada sobretudo a “trabalhadores desempregados, que tinham sofrido quebras de rendimento" ou noutras condições de maior vulnerabilidade. Ao longo do tempo, quem estava na moratória privada pôde mudar-se para a pública se cumprisse tais critérios. Assim, ressalvou, os clientes com créditos sob a moratória privada não têm essas características, sugerindo, portanto, que não serão eles os que mais preocupam.

Mário Centeno frisou que é preciso olhar para os apoios à economia com “grau de realismo”. “Não é o momento de retirar medidas para aqueles que foram abrangidos pela crise. Para esses, não estão a terminar”, continuou. O líder do supervisor não respondeu, porém, se todos os clientes que estão sob a moratória privada que estivessem em pior situação foram informados de que, também esta quarta-feira, poderiam solicitar acesso à moratória pública e, assim, estender a proteção até setembro.

Segundo dados divulgados por Centeno aos deputados, haverá cerca de 86 mil devedores particulares abrangidos pela moratória privada, incluídos no total de 294 mil clientes com crédito à habitação protegidos por moratórias. “O valor médio da exposição creditícia na moratória pública são 64 a 65 mil euros. Na moratória privada, são 38 mil euros. As exposições na moratória privada são muito mais reduzidas do que aquilo que acontece na moratória pública”, adiantou ainda o ex-ministro das Finanças.

Além de considerar que as exposições mais arriscadas estão nos créditos que estão protegidos até setembro, Centeno sublinhou que as moratórias privadas perderam peso. “Em relação às moratórias privadas para habitação, desde o ponto mais alto dessas moratórias, que se deu em junho, até ao mês de fevereiro, temos uma redução de 42%. São menos 2.375 milhões em moratórias privadas [nesse período]. Uma redução continuada”, afirmou o governador do Banco de Portugal na comissão de Orçamento e Finanças, na audição requerida pelo Bloco de Esquerda, que se realizou esta terça-feira, 30 de março.

Segundo os últimos números, com referência do fim de janeiro, na quarta-feira, 31 de março, vão extinguir-se moratórias existentes em empréstimos à habitação de 3,7 mil milhões de euros, que estavam enquadradas no regime definido pela Associação Portuguesa de Bancos (APB). Em parte destas moratórias (onde houve suspensão de juros e de capital), as prestações vão aumentar já em abril. Há ainda mais 13,4 mil milhões de euros em crédito à habitação sob moratória, mas, nesse caso, por estarem enquadradas no regime legal criado pelo Governo, estendem-se até setembro (uma parcela até dezembro).

Extensão não ajudaria

Em resposta aos deputados, Mário Centeno considerou que não há margem para que, no enquadramento atual, os bancos prolonguem as moratórias. Estas paralisações do pagamento dos créditos foram conseguidas ao abrigo da regulação da Autoridade Bancária Europeia (que só vai até setembro) e, sem ela, os bancos são obrigados a classificar como reestruturações todos os créditos onde há moratórias. “A probabilidade de a EBA vir a estender orientações face ao que fez em dezembro é muito, muito baixa”, acredita.

“Essa extensão levaria a que os créditos que fossem considerados em moratória no âmbito dessa prorrogação passassem a estar como créditos reestruturados. Seria uma reestruturação em massa”, disse o governador. Isso seria “quase uma armadilha para os clientes” que estavam sob a moratória, já que ficariam marcados perante todos os bancos. “A moratória seja pública, seja privada, deve ser feita ao abrigo das orientações comuns que os bancos portugueses têm de respeitar. É a forma de melhor proteger os clientes bancários”, continuou. Sem isso, atira, há um “efeito ricochete” sobre os bancos e os clientes. E, assim, Portugal continuaria a divergir da Europa no que diz respeito às moratórias, que por cá têm um peso mais elevado. “Não podemos voltar a isolar Portugal”, justificou, também, Mário Centeno.

Nas suas respostas, o líder do supervisor considerou ainda ter “informação” de que os bancos têm estado a acompanhar os clientes por conta da aproximação das moratórias. "O supervisor tem de olhar para classificações de créditos, procurar que os bancos encontrem soluções para situações específicas de devedores, separando empresas viáveis das não viáveis, e tem de promover o registo de imparidades", disse.

Banco de Portugal avalia tecido empresarial para se preparar

No final de janeiro, havia um total de créditos de 45,7 mil milhões de euros sob moratória, tanto a particulares (habitação e consumo) como a empresas. No caso das empresas, são 24 mil milhões, em que a maior parte do congelamento das prestações dos créditos se estende até setembro.

No que diz respeito às empresas, Centeno voltou a referir algo que o Banco de Portugal já tinha dito: a reação a esta crise levou muitas sociedades a elevar os depósitos, ao contrário do que aconteceu em crises anteriores, em que os depósitos recuaram. As empresas aumentaram “a capacidade de resposta financeira” e é com base nessa informação que o governador diz ser preciso “jogar”.

“Estamos a trabalhar numa caracterização da evolução de todo o sector empresarial em Portugal para o poder caracterizar e identificar tendências que possam ser merecedoras de uma evolução das medidas, em particular as associadas às moratórias, em que o Banco de Portugal tem palavra a dizer”, revelou.

O Expresso já noticiou que o Governo e os bancos (com um papel preponderante do Banco de Fomento Português) preparam para o verão as soluções para o final de moratórias.

(Notícia atualizada com mais informações pelas 18h35)