Economia

Lagarde imita Draghi: "Nada está fora de questão" no que respeita a mexer na 'bazuca'

Draghi ficou célebre por ter dito em 2012 que "faria tudo o que fosse preciso" para salvar o euro. Esta quinta-feira, a sua sucessora à frente do BCE deixou claro que "nada está fora de questão" no que toca a garantir as melhores condições financeiras para se enfrentar a pandemia

Foto ARMANDO BABANI/Lusa

Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), deixou esta quinta-feira claro que "nada está fora de questão" no que toca a usar com flexibilidade a 'bazuca' lançada em março passado para combater os impactos da pandemia da covid-19.

A frase, repetida algumas vezes ao longo da primeira conferência de imprensa do ano, já foi vista como uma imitação da posição dura tomada pelo seu antecessor, Mario Draghi. Em julho de 2012, o italiano afirmou perentoriamente que faria tudo o que fosse preciso para salvar o euro, então a viver um período agudo de crise das dívidas dos periféricos e de recaída em recessão na zona euro.

Após a reunião do BCE que terminou esta quinta-feira, e onde se "reafirmou a política muito acomodativa" aprovada em dezembro passado, Lagarde foi confrontada diversas vezes ao longo da conferência de imprensa sobre o futuro do programa especial de compra de títulos, lançado em março do ano passado e conhecido pela sigla inglesa PEPP.

Fruto da pressão dos 'falcões', a estratégia de comunicação do BCE passou a sublinhar que o gigantesco envelope financeiro de €1,85 biliões do PEPP poderá não ser usado na sua totalidade se "as condições financeiras favoráveis puderem ser mantidas".

Lagarde foi muito questionada sobre o significado concreto desta possibilidade no horizonte até março de 2022. Ao que a francesa repetiu que a regra é a flexibilidade e que ela funciona nos dois sentidos - não esgotar o envelope ou, pelo contrário, recalibrá-lo. "Nada está fora de questão", disse e repetiu-o.

Avaliação holística

A flexibilidade no uso da 'bazuca' e das outras ferramentas da política monetária depende de uma avaliação "holística e multifacetada", nas palavras de Lagarde. O propósito do BCE é sempre manter condições financeiras favoráveis na zona euro, disse a francesa.

Há que olhar, por isso, em várias direções: o andamento da pandemia e da recuperação económica; a situação dos vários sectores (governos, famílias, grandes e pequenas empresas); as condições de crédito no terreno; o comportamento das taxas (yields) da dívida pública e das empresas; e a própria dinâmica da inflação (cuja meta de proximidade a 2% guia a política do BCE).

No entanto, muitos analistas acham que a preocupação central da equipa de Lagarde são os spreads da dívida dos países mais endividados, ou seja, o prémio que os investidores exigem acima dos juros da dívida alemã a 10 anos que servem de referência. Segundo a Bloomberg, citando, na quarta-feira, uma fonte do BCE relacionada com o tema, o banco tem inclusive ideias precisas sobre quais os spreads que são adequados.

Na reunião de dezembro, o BCE já tinha antecipado uma contração da economia da zona euro no quarto trimestre de 2020 (uma quebra de 1,8%), ainda que a estimativa preliminar só será avançada pelo Eurostat a 2 de fevereiro. As previsões dos economistas europeus apontam para um recuo de 2% a 2,2%. Dia 29 serão conhecidas as estimativas para a evolução do PIB nos últimos meses do ano passado na Alemanha, Espanha e França.

Agora, face à evolução da terceira vaga da pandemia, admite-se que os três primeiros meses de 2021 estejam também negativamente afetados, apesar de cinco desenvolvimentos positivos - vacinação, acordo sobre o Brexit, aprovação do pacote europeu de €750 mil milhões e do Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia até 2027, indústria da zona euro em recuperação (segundo a evolução do indicador avançado PMI, em expansão desde julho e com um máximo em dezembro passado), e a tomada de posse de Biden nos EUA.

O BCE só em março avança com novas previsões económicas, mas Lagarde sublinha que os riscos no curto prazo são "descendentes" (negativos).

Euro digital ainda está longe

O lançamento de um euro digital não é para já, disse a presidente do BCE esta quinta-feira. "Quero refrear quaisquer expetativas de que está para chegar. Ainda vai levar alguns anos. Não estamos ainda aí", sublinhou, apesar do assunto estar em estudo, pesando-se as suas implicações em termos de soberania e de transmissão da política monetária.

No entanto, Lagarde deixou uma certeza - quando houver um euro digital, ele coexistirá "sempre com notas bancárias", com a circulação física da moeda única.