Economia

De meta ambiciosa a emergência social

Projetos Expresso. Descarbonização. Portugal é visto como exemplo, mas ainda há muito para fazer e pouco tempo para o atingir. Cientistas e investigadores pedem estímulos ao envolvimento dos cidadãos neste processo

Anton Petrus/Getty Images

Imagine um Portugal onde todos os carros ligeiros de passageiros são elétricos e onde a energia solar representa 50% de toda a produção de eletricidade e 80% da energia usada para aquecer as águas das casas. Imagine ainda que é um país onde é possível armazenar energia em baterias, onde não há centrais a carvão com o fumo a sair das grandes chaminés, onde há mais pomares a marcar a paisagem, onde há menos lixo, menos desperdício alimentar e uma melhor qualidade do ar. E isto tudo daqui a 30 anos, em 2050.

Não nos cansamos de dizer que parece um filme de ficção científica, mas na verdade são metas reais, incluídas no roteiro português para a neutralidade carbónica (ou para a descarbonização) e para as quais já se está a caminhar há uns anos. Até porque, de acordo com os cientistas e investigadores que passaram pelos três primeiros debates digitais do projeto ‘50 para 2050’ (ver caixa), o cenário em que não se atingem estas metas e não se faz nada é “dramático”. Aliás, também parece um filme, mas daqueles catastrofistas, em que “o planeta fica mais difícil de habitar”, diz Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente.

Segundo Carlos Fulgêncio, coordenador em Portugal do The Climate Reality Project, de Al Gore, haverá mais ondas de calor, mais períodos de seca e mais tempestades. Haverá também mais pragas e um aumento do nível da água do mar que pode inundar os estuários do Tejo e do Sado e que pode fazer desaparecer praias, comenta o investigador Pedro Miranda. Haverá ainda mais incêndios, porque “os gases com efeito de estufa vão aumentar e a temperatura vai aquecer e, portanto, vai haver menos chuva antes do verão e os outonos vão ser mais secos”, explica Tiago Martins de Oliveira, presidente da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Florestais.

Consequentemente, “teremos de migrar mais populações”, acrescenta Nuno Lacasta. “Teremos um planeta brutalmente desigual, com mais conflitos e desigualdades”, repara a professora catedrática Helena Freitas. E até teremos mais mortes, alerta Dulce Pássaro, ex-ministra do Ambiente. Não só por causa da má qualidade do ar (que já mata prematuramente seis mil pessoas por ano), mas também pelo aumento dos conflitos, das migrações, da desertificação e da seca.

Quer isto dizer que as metas do roteiro para a neutralidade carbónica e todas as medidas que têm sido — e vão ser — executadas para reduzir e mitigar as emissões de gases com efeito de estufa não podem ser consideradas demasiado ambiciosas. “Temos mesmo de ser ambiciosos. O planeta não tem mais tempo”, nota Helena Freitas. E também não se pode questionar se o roteiro é ou não exequível até 2050. “Ele tem mesmo de ser executado. Se não se fizer nada, as consequências serão catastróficas”, alerta a investigadora Patrícia Fortes.

Mais mobilização social

Trinta anos parece pouco tempo para atingir as metas inscritas no roteiro, que vão muito além das já mencionadas. Há ainda investimentos na eficiência energética dos edifícios, no hidrogénio verde, nas redes inteligentes, na eólica offshore e na redução do uso de gás natural na indústria. “O desafio que temos pela frente é gigantesco e tem de haver uma mobilização social”, diz Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável. E uma mudança dos comportamentos, repara a cientista Joana Portugal Pereira. Porque, diz o CEO da BP, Pedro Oliveira, “vivemos estas questões da energia como um problema de todos e não um problema individual, e quando assim é, faz-se menos”.

A covid-19 pode ajudar os cidadãos a estarem mais envolvidos neste combate às alterações climáticas e às suas consequências. Por exemplo, porque se aperceberam que podem substituir as viagens de trabalho por reuniões digitais, o que significa menos emissões de carbono. Mas é preciso que as pessoas tenham mais informação e, acima de tudo, sentido de urgência. “Talvez sejam precisas medidas de choque, como a dos sacos de plástico”, repara Francisco Ferreira, presidente da associação Zero.

E se o sabor do vinho mudar?

ALTERAÇÕES Os impactos mais evidentes das alterações climáticas são o aumento da temperatura e dos períodos de seca, a redução da chuva e da água para rega e ainda o aumento das pragas. Tudo isto tem consequências para a agricultura, podendo mesmo alterar o sabor dos produtos, como o vinho ou o azeite.

2050

é o ano em que está previsto atingir a neutralidade carbónica, ou seja, ainda haverá gases com efeito de estufa a serem emitidos, mas serão menos e, por isso, será possível neutralizá-los, por exemplo, com uma maior área de cultivo, como mais árvores de fruto. Para atingir esta meta ambiciosa foi criado um roteiro, aprovado pelo Governo português em julho de 2019. Nele estabelecem-se as medidas e investimentos necessários para chegar à neutralidade carbónica

O Roteiro para a Neutralidade Carbónica que está em vigor em Portugal define que, daqui a 10 anos, 33% dos carros ligeiros de passageiros serão elétricos. Em 2050, o objetivo é ter 100%

Nomes dos furacões esgotaram

AUMENTO Os nomes que são dados aos furacões não são aleatórios, eles seguem a lógica do alfabeto, mas não de todas as letras, apenas 22. Por causa do aumento da temperatura do ar há mais tempestades e furacões e, este ano, já se esgotaram as 22 letras do alfabeto, o que significa que já houve 22 furacões. Em 2005 aconteceu o mesmo.

Luís Barra

4 metros Outro dos grandes impactos é a subida do nível da água do mar. Por exemplo, a praia do Portinho da Arrábida já perdeu 60% do seu areal nos últimos 50 anos. Corre-se o risco de a Gronelândia começar a derreter e o nível da água do mar aumentar quatro metros, o que significaria que metade da Florida, nos EUA, ficaria debaixo de água

55%

é a nova meta de redução de emissões de gases com efeito de estufa anunciada pela Comissão Europeia em setembro. A meta anterior era de 40%. De acordo com a presidente, Ursula von der Leyen, este reforço surge porque a temperatura do planeta continua a aumentar, mesmo num momento de pandemia e de vários meses de diversos tipos de estados de emergência e de paragens da economia.

Os primeiros 12 dos ‘50 para 2050’

  • Carlos Fulgêncio, Coordenador em Portugal do The Climate Reality Project, de Al Gore
  • Dulce Álvaro Pássaro, Ex-ministra do Ambiente
  • Filipe Duarte Santos, Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
  • Francisco Ferreira, Presidente da Associação Zero
  • Helena de Oliveira Freitas, Professora catedrática e coordenadora do Center for Functional Ecology da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
  • Joana Portugal, Pereira Cientista do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
  • Nuno Lacasta, Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
  • Patrícia Fortes, Investigadora do Center for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
  • Pedro Barata, CEO da Get2C
  • Pedro Miranda, Investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
  • Pedro Oliveira, CEO da BP Portugal
  • Tiago Martins de Oliveira, Presidente da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Florestais

Textos originalmente publicados no Expresso de 31 de outubro de 2021