O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (que é o mesmo que o roteiro para a descarbonização) foi aprovado pelo Governo português a 1 de julho de 2019 e nele estabelecem-se as medidas e investimentos que têm de ser tomados para atingir as metas para reduzir e mitigar as emissões de gases com efeitos de estufa. Ou seja, há medidas para eliminar parte das emissões de carbono ou metano, como a continuação da aposta nas renováveis, na mobilidade elétrica e na eficiência energética nos edifícios, mas também medidas para mitigar as emissões que não são possíveis de eliminar, por exemplo, aumentando as áreas cultivadas, limpando as florestas e reduzindo os resíduos enviados para aterro.
Tanto as metas quando as medidas para as atingir são ambiciosas, principalmente tendo em conta que, com 2020 já quase a terminar, só faltam 29 anos para concretizar tudo o que está definido no roteiro. A isto é preciso juntar os inevitáveis efeitos que a pandemia de covid-19 estão e vão ter na execução dessas metas e, ainda, se esses impactos vão atrasar ou acelerar este processo. Isto porque, por um lado, a paragem da economia que se verificou durante a primeira vaga de covid-19 (março a junho) originou uma redução das emissões que pode não ser recuperada na totalidade, dependendo se os impactos na economia se mantém ou não no pós-pandemia. E, por outro lado, porque a crise económica que resultou dos períodos de emergência poderá reduzir a disponibilidade de investimento necessária para executar este roteiro, mesmo com o dinheiro que Portugal vai receber da União Europeia para apoiar na recuperação da pandemia.
Todas estas incertezas estarão na mesa do terceiro debate digital do projeto “50 para 2050”, que contará com a presença de Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA); Patrícia Fortes, investigadora do Center for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; Helena de Oliveira Freitas, professora catedrática e coordenadora do Center for Functional Ecology da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; e ainda Dulce Álvaro Pássaro, ex-ministra do Ambiente. Mas também haverá espaço para fazer um ponto de situação do processo de descarbonização, até porque, tendo em conta os níveis de emissões e os impactos que as alterações climáticas já provocaram, “não há outro caminho se não a descarbonização”, alerta Helena Freitas, em conversa com o Expresso.
“A minha percepção é de que, em algumas áreas, temos feito um caminho adequado e com um bom ritmo, como nas renováveis”, diz ao Expresso Dulce Álvaro Pássaro. “Por exemplo, a energia eólica offshore está mais avançada, a tecnologia melhorou brutalmente”, acrescenta Helena Freitas. Contudo, há outras áreas em que o processo de descarbonização não está tão avançado como devia, como é o caso da mobilidade (que representa 24% das emissões), considera Dulce Pássaro. Mesmo havendo grandes avanços na mobilidade elétrica, com mais marcas “fortes” a desenvolver carros e “as pessoas estão mais dispostas a aderir”, repara Helena Freitas.
De acordo com Dulce Pássaro, é preciso acelerar as medidas nesta área que diz ser a chave para a redução das emissões. “Vamos ter de sacrificar o nosso modelo do carrinho. É um modelo condenado a médio prazo. E não o conseguiremos só com sensibilização. Precisamos de transportes públicos mais atractivos e parques de estacionamento em zonas intermodais, mas tudo feito com comodidade, facilidade e a um preço acessível”, acrescenta. Outra área de intervenção do roteiro que a ex-ministra considera ainda estar atrasado é dos resíduos. “Não estamos tão bem como gostaríamos, porque ainda enviamos muitos resíduos orgânicos urbanos para aterro e isso resulta na emissão de gases com efeitos de estufa”, explica.
Outra questão que Helena Freitas entende que deve ser reforçada é a comunicação do que está a ser feito, porque “essa percepção é importante para as pessoas agirem mais. Ainda são problemas distantes das pessoas e do seu dia-a-dia, principalmente nas sociedades mais ricas”. Contudo, acrescenta, é preciso ter em conta que “o aumento da migrações e da fome” são também efeitos das alterações climáticas e do aumento da emissões e que “não podemos ser felizes num mundo onde há pessoas a passar fome”.