A criação de uma economia e sociedade onde se consuma menos combustíveis fósseis e se emita menos CO2 para a atmosfera, é um processo em marcha há já muitos anos, mas que tem conhecido uma série de entraves económicos e políticos e que, por isso, está ainda longe de estar concluído, apesar das rigorosas metas impostas em grande parte do mundo. A isto acresce, agora, a pandemia e os efeitos que está a ter na sociedade, na economia e em alguns dos pressupostos desta transição energética. Para vários especialistas do sector, pode ter sido aberta uma janela de oportunidade para acelerar todo o processo. O problema está na forma como se vai recuperar do vírus.
“Vemos muitos sinais contraditórios”, diz ao Expresso Joana Portugal Pereira, autora, entre outros, do 6º relatório de avaliação do Grupo de Trabalho III sobre mitigação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). . “A China anunciou que queria atingir a neutralidade carbónica em 2060, mas continuamos a ver a expansão da capacidade instalada de centrais termoeléctricas a carvão”, repara. De facto, “as decisões políticas estão dependentíssimas da economia e o objetivo de abandonar os combustíveis tem sido contrariado pelos lobbies”, diz, por sua vez, o filósofo José Gil, autor de várias obras, entre elas, “O Tempo Indomável”, um livro publicado em setembro deste ano onde faz uma reflexão sobre a pandemia e a relação com as alterações climáticas.
Mas há outros exemplos de contradições, conforme adiantou Joana Portugal Pereira. Por exemplo, “na primeira semana de abril [durante a quarentena] tivemos reduções de 17% nas emissões de gases com efeitos de estufa e a redução prevista para 2020 é de 8%, ou seja, equivalente aos níveis de há dez anos”, mas, “as emissões provenientes do uso do solo, como o desflorestamento ou as actividades agrícolas aumentaram”, acrescenta.
Além disso “dos 11,8 biliões anunciados nos estímulos globais para recuperar a economia, apenas três biliões são para tecnologias de baixo carbono” e “durante o período de confinamento não vimos uma mudança na estrutura do nosso consumo, apenas uma redução do consumo, mas depois temos uma redução do preço do barril de brent”.
É, por isso, que, diz Joana Portugal Pereira, “há o risco de termos uma recuperação económica hipercarbónica ao retomarmos as nossas atividades”. Aliás, “nas grandes crises que tivemos, como a crise de 1929 ou a 2º Guerra Mundial, a recuperação económica foi sempre hipercarbónica”, mas “agora tem de ser diferente. É necessário vencer a inércia e agir em todas as frentes”, ressalva.
É que, diz José Gil, “a menos que se seja um activista, em geral não se dá importância [às alterações climáticas] e não se pensa como será passível fazer uma revolução nos modos de vida”, porque, para que a transição energética seja possível “tem de haver uma mudança nos modos de vida e nos modelos económicos”.
“É essencial mudar os nossos comportamentos e repensar a nossa mobilidade urbana, e do ponto de vista tecnológico, é importante apostar mais nas redes eléctricas inteligentes, na eletrificação dos transportes rodoviários e na eficiência energética. Já na aviação, temos, por um lado, de reequacionar o uso do transporte aéreo em viagens de curta distância e, por outro lado, pensar em frotas mais eficientes”, nota Joana Portugal Pereira, lamentando que, com a pandemia, “essa renovação das frotas deve estar a ser repensada”.
A isto acresce que “há lacunas fundamentais” nas metas estabelecidas para a descarbonização, pelo menos na União Europeia. “Nunca é levantada a questão de como é que os Estados membro vão agir já. Assume-se que vão tomar as medidas, mas até agora nem todos cumpriram”, ressalva José Gil.
Tanto a cientista Joana Portugal Pereira como o filósofo José Gil são convidados do primeiro debate digital do projeto “50 para 2050”, que acontece já amanhã, terça-feira, 13 de outubro, no Facebook do Expresso, às 11h00. A iniciativa do Expresso e da BP terá um total de dez debates digitais, divididos em dois ciclos de cinco encontros cada, que juntarão um total de 50 oradores (cinco em cada debate) para discutir as alterações climáticas e o futuro do sector energético até 2050.
Subordinado ao tema “reinventar a energia”, este primeiro debate contará ainda com a presença de Francisco Ferreira, presidente da associação Zero, de Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e ainda Pedro Oliveira, CEO da BP Portugal.
O projeto prossegue a 20 de outubro, com o segundo debate que terá como tema “os grandes impactos das alterações climáticas em Portugal”, e continua a 27 de outubro, onde se discutirá “o roteiro de descarbonização português”, a 3 de novembro com o tema “transição energética de Portugal” e a 10 de novembro onde se debaterá a “mobilidade futura nas cidades”. Os restantes cinco debates (2º ciclo) estão agendados para janeiro e fevereiro de 2021.
Assista ao primeiro debate AQUI