Economia

Neeleman aceita já o Estado na comissão executiva da TAP, dá-lhe o controlo do empréstimo e admite capitalizar os créditos mas mais tarde

O acionista norte-americano da TAP rompe o silêncio para afirmar que os privados estão “disponíveis para aceitar a participação do Estado na Comissão Executiva imediatamente", garantir o seu empenho no futuro da companhia e dizer que está disponível para capitalizar os créditos que detém sobre a transportadora, mas não agora

David Neeleman entrou na TAP em 2015. Renovou a frota da companhia, contratou dois mil trabalhadores, e expandiu o mercado americano. Mas não conseguiu chegar ao lucro
Gonçalo Rosa da Silva

O acionista privado norte-americano da TAP, David Neeleman, garantiu esta segunda-feira o "empenho dos privados" no futuro da companhia, tal como exista quando a empresa foi privatizada em 2015, lamentando as declarações do ministro das Infraestruturas questionando o seu empenho. Neeleman agradece "muito" ao Estado ter-se disponibilizado para avançar com o empréstimo de emergência até um máximo de 1,2 mil milhões de euros, apesar de não ser um modelo diferente do que defendia, e assegura que aceita a entrada imediata deste na Comissão Executiva da empresa.

"Estamos também disponíveis para capitalizar os nossos créditos na companhia no momento da aprovação do plano de reestruturação que será negociado com a Comissão Europeia", avança David Neeleman, em declarações escritas à Lusa, e também já enviadas para o Expresso. O impasse no acordo entre o Estado e os privado está pendurado sobretudo nesta questão dos créditos. E em causa estão créditos no montante de 217,5 milhões de euros de prestações acessórias feitas pela Atlantic Gateway à TAP, cabendo a Neeleman deste montante cerca de 110 milhões de euros.

O acionista norte-americano não tem estado disponível para abdicar do direito de abdicar deste crédito - estabelecido no acordo que fez com o Governo de António Costa, aquando da reversão da privatização em 2015. E o Governo pretende que os privados - Neeleman e Humberto Pedrosa - transformem essas prestações acessórias antes de transferir o empréstimo para a companhia. Ora, Neeleman deixou claro que aceitará capitalizar os créditos apenas no momento em que for aprovado o plano de reestruturação, o que pode demorar meses. A reestruturação é para aplicar dentro de seis meses.

Em cima da mesa está ainda a exigência do governo de que a Azul, empresa da qual o norte-americano Neeleman é acionista, converta o empréstimo de 90 milhões de euros à TAP em capital. Quanto às prestações acessórias, o governo quer que os privados deixem cair uma cláusula que lhes permite retirar 217,5 milhões de euros que emprestaram à empresa no caso de o Estado reforçar o seu capital na TAP - algo que é provável atendendo a que parte do empréstimo de 1,2 mil milhões de euros deverá ser transformado em capital.

O acordo entre os acionistas privados - detentores de 45% do capital da companhia através da Atlantic Gateway, e o Estado, que controla 50%. para que avance o empréstimo de até 1,2 mil milhões de euros à TAP -, ainda não está fechado. Mas pode acontecer a qualquer momento.

"Apesar de não ter sido essa a nossa proposta, agradecemos muito o apoio do Estado Português através de um empréstimo de emergência à TAP e aceitamos obviamente as medidas de controlo da utilização desse empréstimo. Estamos disponíveis para aceitar a participação do Estado na Comissão Executiva imediatamente e mesmo antes de uma eventual capitalização do empréstimo", diz David Neeleman.

O empresário explica ter "optado pelo silêncio nos últimos meses por estar concentrado em ajudar a Comissão Executiva da TAP a trabalhar para encontrar soluções nesta fase muito complexa relativamente ao futuro da TAP". "No entanto, e porque há limites, não posso deixar de rejeitar as declarações sobre o empenho dos privados no futuro da TAP", sustenta.

"O nosso empenho é o mesmo de 2015, quando ganhámos a privatização e salvámos a TAP de uma situação de insolvência", garante. E prossegue: "após cinco anos de trabalho muito duro transformámos a TAP numa companhia renovada, de maior dimensão e preparada para o futuro. Continuamos a acreditar na TAP apesar desta enorme crise que afetou toda a economia e em particular o setor da aviação".

David Neeleman assegura que "desde o início da crise a equipa executiva tem trabalhado noite e dia em conjunto com os fornecedores, tendo negociado e obtido apoios importantes na ordem de centenas de milhões de euros".

"O nosso foco não é apenas garantir que a TAP sobreviva, mas que recupere a rota de crescimento que vinha percorrendo e que prospere para que possamos cuidar dos nossos trabalhadores e clientes", defende.

Neeleman recorda que a TAP precisa "da ajuda do Estado Português" tal "como todas as outras companhias aéreas na Europa" e afirma que "todo o investimento feito pelo Estado" na empresa "tem um retorno garantido, multiplicado por muitas vezes".

Isto para além de "um significativo impacto na economia portuguesa, quer pela estabilidade económica" dos trabalhadores da companhia e da respetiva "cadeia de valor de fornecedores e parceiros portugueses", como pelos "milhões de visitantes" que anualmente transporta para Portugal.

"A TAP é muito importante para o País e estou certo que o Governo português saberá respeitar os compromissos assumidos com quem acreditou e transformou a companhia", afirma.

Na passada quinta-feira, o ministro das Infraestruturas disse confiar no Conselho de Administração da TAP para fazer o plano de reestruturação da companhia, mas considerou que "o atual CEO [Antonoaldo Neves] da TAP valoriza em demasia a briga".

Numa entrevista ao 'podcast' "Política com Palavra", do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos disse que lhe faz "muita confusão que o CEO de uma empresa que está de mão estendida ache que se possa relacionar com o Estado" desta maneira.

"Como se nos estivessem a fazer um favor", criticou o governante.

Dois dias antes, na terça-feira, o presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, admitiu que a Comissão Executiva da transportadora está disponível para aceitar um membro indicado pelo Estado, que atualmente só está presente no Conselho de Administração.

Antonoaldo Neves, que falava na comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, na Assembleia da República, em Lisboa, sublinhou não ver "qualquer problema" que o Estado, enquanto acionista da TAP, esteja também representado na Comissão Executiva, considerando até uma opção "produtiva".

O ministro acrescentou ao 'podcast' do PS que viu as declarações de Antonoaldo Neves com "alguma perplexidade", já que quem "vai fazer a injeção" de capital na empresa é o Estado português, logo, não "era a atual Comissão Executiva que estaria a fazer um favor ao demonstrar disponibilidade para aceitar um membro da Comissão Executiva".

Pedro Nuno Santos disse, no entanto, que o importante, "nesta fase", é "garantir o que se faz a cada cêntimo" que vai ser injetado na TAP e que o sistema de controlo e de monitorização que foi proposto "é muito mais eficaz do que simplesmente ter um membro numa Comissão Executiva" onde o Estado não seria maioritário.

A Comissão Europeia aprovou em 10 de junho um "auxílio de emergência português" à companhia aérea TAP, um apoio estatal de 1.200 milhões de euros para responder às "necessidades imediatas de liquidez" com condições predeterminadas para o seu reembolso.

Uma vez que a TAP já estava numa débil situação financeira antes da pandemia de covid-19, a empresa "não é elegível" para receber uma ajuda estatal ao abrigo das regras mais flexíveis de Bruxelas devido ao surto, que são destinadas a "empresas que de outra forma seriam viáveis".

Aos deputados, Antonoaldo Neves disse que não esperava "nada menos do que uma Comissão Europeia extremamente dura" nas contrapartidas exigidas à companhia aérea pelo auxílio que vai receber e lamentou não ter sido dado à TAP auxílio estatal em forma de garantias, para pagamento de empréstimos com os bancos privados.

O presidente executivo considerou mesmo "injusta" a decisão da Comissão Europeia de não permitir que a TAP recorra ao mecanismo especial de apoio às companhias aéreas, no contexto da pandemia de covid-19, por considerar que a transportadora que lidera estava já com problemas antes do surto.

O presidente executivo também disse ser "óbvio" que a TAP não tem condições para pagar o empréstimo que vai receber de até 1.200 milhões de euros e que quer apresentar o plano de reestruturação em três meses.