"Não há gel desinfetante?", perguntava a cliente de uma farmácia em Lisboa. "Não, porque o Governo ordenou uma requisição civil", respondia o farmacêutico, numa conversa a que o Expresso assistiu esta semana. Não era bem assim. Na verdade, a ministra da Saúde, Marta Temido, ordenou, “com força executiva imediata”, a célere aquisição pelos hospitais públicos e restantes unidades de saúde do Estado, dos medicamentos, dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual necessários o tratamento e deteção da infeção com o novo coronavírus.
“Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional declarada pela Organização Mundial de Saúde”, é preciso continuar a garantir as condições junto das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para responder à disseminação da doença em território nacional, menciona um despacho da ministra. E a indicação é para reforçar em 20% os respetivos stocks dos produtos em causa, face ao consumo anual registado em 2019.
O documento data de 3 de março mas só foi publicado esta quarta-feira. Da lista de produtos anexa ao despacho constam fármacos como antibióticos, gel desinfetante para as mãos, máscaras, luvas, proteções oculares e calçado, bem como fatos de proteção integral, por exemplo.
Esta semana, entre as farmácias, falava-se na existência de uma requisição civil do Governo para acautelar que o SNS tinha as quantidades necessárias de álcool e que essa seria a razão pela qual estavam a falhar os abastecimentos de gel desinfetante que é fabricado com esta matéria-prima. O Expresso teve acesso a uma missiva de um fabricante de gel desinfetante para as mãos a dar conta disso mesmo a uma farmácia sua cliente, em que dizia que estava sem álcool para fazer o seu gel desinfetante porque o Governo tinha avançado com uma requisição civil para garantir este produto para os hospitais e centros de saúde públicos.
A empresa em causa é nacional e fabrica produtos de cosmética naturais. O Expresso não conseguiu obter esclarecimentos sobre este assunto junto deste fabricante dada a ausência da “pessoa responsável”, segundo indicou ao telefone uma funcionária. Já o Ministério da Saúde enquadrou o reforço de gel desinfetante nas unidades do SNS, bem como de outros produtos para o tratamento do Covid-19, com o despacho da ministra.
Ao longo da semana têm sido relatados casos de farmácias sem stocks de gel desinfetante, álcool etílico e de máscaras. Aliás, algumas farmácias começaram a produzir o seu próprio gel desinfetante para dar resposta à procura. Ao Expresso, um farmacêutico, proprietário de vários estabelecimentos, deu conta de que há constrangimentos nestes produtos e que o facto das farmácias estarem a fazer produção própria também estará a contribuir para a falta de matéria-prima. Fonte de um grande distribuidor de produtos farmacêuticos relatou ao Expresso que recebeu apenas um terço da encomenda de álcool.
O facto de todas as unidades estarem numa ‘corrida’ a este tipo de produtos também estará a fazer baixar as quantidades disponíveis no mercado.
Compras devem ser céleres
Ainda de acordo com o despacho de Marta Temido, as entidades de saúde devem seguir os procedimentos de aquisição mais céleres, atendendo às “disposições legais para realização de despesa pública” e também é determinada a adoção, pela Administração Central do Sistema de Saúde, “dos mecanismos necessários ao respetivo financiamento”.
A lista de produtos (são cerca de 80, na sua maioria medicamentos) considerados necessários para o tratamento e avaliação de casos suspeitos de infeção pelo novo coronavírus será alvo de atualização permanente pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Infarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde.
“Com o objetivo de enquadrar o adequado nível de proteção da saúde pública, é necessário adotar procedimentos que, de forma responsável e proporcional, previnam e acompanhem a evolução das fases de propagação da infeção”, justifica o Governo que avançou com estas medidas tendo em conta as orientações da DGS e do Infarmed.