A poucas horas das votações sobre o ponto mais quente deste Orçamento do Estado, o PSD acaba de dar um passo significativo para se aproximar da esquerda. O partido deixou cair as contrapartidas para pagar a baixa do IVA da luz que desagradavam à esquerda e apresentou, pela voz de Rui Rio, outras, incluindo uma redução do excedente orçamental. E o Bloco já deu sinais de abertura à nova proposta, o que pode levar a que o Governo seja mesmo obrigado a baixar o imposto.
No hemiciclo, minutos depois de ter sido anunciada a nova medida do PSD, o Governo disparou contra os sociais-democratas apontando-lhes uma postura de "tremenda irresponsabilidade" neste debate. "Temos de respeitar as decisões do Parlamento, mas têm de assumir por inteiro as consequências do que vão aprovar", inclusivamente se há "condições para governar o país", frisou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro. "E isto tem de ser dito nestes termos".
Com uma proposta alterada "na manhã da votação" e, segundo o Executivo, com compensações insuficientes, o resultado é que "nenhum português sabe como vão compensar isto no próximo ano". "Como esperam que o país acomode um corte idêntico ao que reforçámos este ano no SNS? Como é que apelidam isto de responsável? Qual é a parte responsável?".
Do lado de fora do hemiciclo, a dramatização era feita pela líder parlamentar, Ana Catarina Mendes: "O que se está a passar esta manhã é de uma tremenda irresponsabilidade e de um gravidade sem precedente que coloca em causa a aprovação deste Orçamento do Estado", avisou.
No Parlamento, Rui Rio falou aos jornalistas para explicar a forma como pensa compensar a baixa do IVA. Por um lado, passando a aplicá-la apenas a partir de 1 de outubro, o que significa que será preciso compensar apenas 94 milhões de euros neste ano (a medida vale, segundo as contas do PSD, 31 milhões por mês). Por outro, mantendo a sua proposta para cortar nos gabinetes ministeriais - mas menos radical - e abdicando de 0,05% do excedente orçamental.
Significa isto que o PSD deixa cair a parte da sua proposta que mais incomodava a esquerda - o corte de quase cem milhões de euros em consumos intermédios, um "cheque em branco" para "cortes cegos em serviços públicos" que o Bloco se recusava a dar. E apresenta uma alternativa que pode cair bem a estes partidos, que há muito atacam o que dizem ser uma "obsessão" do PS pelo excedente orçamental.
Mariana Mortágua, do BE, já veio, de resto, reagir à ideia. Poucos minutos depois de Rio ter falado nos passos perdidos, a deputada disse no hemiciclo que, sem prejuízo de precisar ainda de analisar uma proposta que só agora está a dar entrada, vê "um caminho para a viabilização" da baixa do IVA. Rui Rio assegurou que até aqui não houve qualquer negociação prévia com a esquerda, acreditando no entanto que com estas alterações há "equilíbrio" para garantir uma maioria no Parlamento e aprovar medida. E, do lado dos bloquistas, a apresentação da proposta nova foi bem recebida e vista como uma cedência às posições do partido de Catarina Martins. O PCP, tal como o CDS, ainda não se pronunciou, sendo que os deputados centristas conferenciarão agora com a direção do partido.
Os dois partidos não são suficientes para fazer aprovar a medida.Juntos têm 98 deputados, o que não chega para fazer passar a medida: precisam que o PCP e o CDS entrem no mesmo barco, uma vez que PS e PAN têm, juntos, 112 deputados, e que André Silva já veio rotular a proposta do PSD de "pouco rigorosa e pouco credível", com contas "feitas em cima do joelho" acrescentando que as contrapartidas sobre os gabinetes são "demagógicas e populistas".