Economia

Hoje é a grande estreia de Lagarde no BCE. As 4 perguntas dos mercados

Christine Lagarde preside esta quinta-feira à sua primeira reunião de política monetária do Banco Central Europeu. Os investidores querem ver que sinais dará sobre quatro questões cruciais do seu mandato

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Christine Lagrade estreia-se esta quinta-feira na presidência da primeira reunião de política monetária do Banco Central Europeu (BCE), desde que tomou as rédeas do conselho a 1 de novembro.

Depois de almoço, fará a sua primeira aparição na tradicional conferência de imprensa que sucede à divulgação do comunicado oficial de decisões da reunião.

Por coincidência, a estreia de Lagarde ocorre numa Super Quinta-Feira em que a francesa tem de partilhar as luzes da ribalta com Boris e Trump. Os britânicos estão a ir às urnas para votar o desfecho do Brexit e a sorte do governo de Boris Johnson e o presidente Trump vai reunir na Casa Branca com a equipa para decidir se no domingo avança ou não com nova ronda de taxas aduaneiras sobre as importações chinesas.

Os mercados vão estar atentos aos sinais que dará Lagarde em quatro questões que atormentam os investidores e analistas.

Há uma mudança clara de estilo de liderança?

Tudo indica que Lagarde vai dar uma marca pessoal ao estilo de liderança no BCE e de relacionamento com os poderes políticos e mesmo com a sociedade civil (uma componente que ela acrescentou na sua primeira prestação no Parlamento Europeu como presidente do banco central).

Internamente, na gestão do conselho, Lagarde rejeitou ser classificada como 'falcão' ou 'pomba' na sua primeira entrevista pública, sintomaticamente dada a um jornal alemão. Disse, com ironia, encarar-se como uma 'coruja' sábia.

Os analistas preveem que a francesa dê primazia a consensos o mais amplos possíveis e que dê maior projeção ao economista-chefe (tal como fazia no Fundo Monetário Internacional). Uma das incógnitas é saber se Philip Lane se vai sentar na mesa da conferência de imprensa já esta quinta-feira.

No plano externo, os analistas inclinam-se para a veia diplomática de Lagarde, nomeadamente junto dos governos da zona euro para os convencer a que chegou a hora da política orçamental desempenhar o seu papel predominante. Ironiza-se que ela até anda a aprender alemão para melhor falar com Berlim.

Os juros negativos vão durar até quando?

Mario Draghi na reunião de setembro conseguiu uma maioria para aprovar o agravamento da taxa negativa de remuneração de depósitos para -0,5%, ainda que com um escalão de isenção.

Mas a pressão do sector bancário tem sido muito forte e as vozes levantando dúvidas sobre os benefícios de um longo período de taxas negativas (desde junho de 2014) juntaram-se à oposição tradicional dos 'falcões' alemães, austríacos e holandeses. O governador do Banco de Espanha, Hernández de Cos, admitiu, recentemente, que as taxas negativas estão a danificar a transmissão da política monetária, e Ignazio Visco, o governador do Banco de Itália, disse claramente que o prolongamento no tempo aumenta os efeitos colaterais negativos.

Uma sondagem recente da Bloomberg junto de especialistas prevê que Lagarde não deverá mexer nas taxas negativas até 2022 e que, então, se iniciará um processo de desagravamento com a subida em direção a terreno positivo.

O QE é para manter?

A reativação do programa de compra de ativos (vulgo quantitative easing, QE) a partir de 1 de novembro (o dia em que Lagarde tomou posse do lugar) foi outra herança que Draghi deixou.

Desde 1 de novembro, os ativos adquiridos pelo BCE até 6 de dezembro engordaram €23 mil milhões. Somam, agora, 2627 mil milhões de euros.

Apesar da alta dosagem de política monetária expansionista (taxa diretora em 0% desde março de 2016 e várias rondas de QE desde início de 2015), a inflação não descola em direção à proximidade de 2%.

O BCE divulga esta quinta-feira as novas projeções dos seus técnicos que se estenderão até 2022. Em setembro, o pessimismo dominou, e as projeções até 2021 foram revistas em baixa tanto na inflação como no crescimento da zona euro. O crescimento registaria uma aceleração fraca até 1,4% em 2021 e a inflação cairia para 1% em 2020 e subiria até 1,5% no ano seguinte, continuando longe da meta.

Os analistas vão estar de olho para ver se o pessimismo perdura ou se há sinais de optimismo, sobretudo depois da Alemanha ter escapado por uma unha negra a uma entrada em recessão técnica no terceiro trimestre.

Quando vai ser lançada a revisão estratégica da política do BCE?

Desde 2003 que o BCE não realiza uma revisão estratégica. Lagarde vai considerar essa revisão como uma das suas marcas pessoais à frente do banco.

Espera-se que a francesa dê indicações de quando arranca e que matérias serão cruciais na reavaliação da política.

A meta da inflação - que em 2003 viu uma reformulação cirúrgica da sua definição, introduzindo o "abaixo, mas próximo de 2%" - é um dos tópicos. Muitos economistas acham que a meta tem de ser flexibilizada de modo a não obrigar o BCE a avançar com medidas expansionistas por longo tempo sempre que a inflação não acelera para a proximidade dos 2%.

Outra marca pessoal que Lagarde vai querer deixar no BCE é o alinhamento do banco central pela onda 'verde' de reposta à emergência climática. Ela comprometeu-se perante os deputados do Parlamento Europeu a alinhar a política monetária por esse diapasão, nomeadamente no programa de compras de ativos, mas uma mudança esbarra com o princípio de neutralidade de mercado. Este assunto vai ser discutido no âmbito da revisão estratégica, garantiu Lagarde aos deputados europeus.