Economia

Entrevista: “Os têxteis portugueses têm uma fórmula muito competitiva” 

Ao Expresso, Alberto Paccanelli, o italiano que preside à Euratex, a mais importante associação têxtil da Europa, considera que os têxteis europeus "ficam bem na fotografia"

Alberto Paccanelli, presidente da Euratex
D.R.

Alberto Paccanelli, presidente da Euratex, a mais importante confederação têxtil da Europa, aproveitou a passagem pelo Congresso da ITMF – International Textiles Manufacturers Federation, a decorrer no Porto, para dizer que os têxteis europeus, neste momento, “ficam bem na fotografia”. “Há algumas nuvens no horizonte”, desde logo devido à onda protecionista que começa a alastrar em alguns países, admitiu na sua intervenção num dos painéis dos trabalhos. Mas numa curta entrevista ao Expresso não poupou elogios ao trabalho feito pelo sector em Portugal e garantiu ver “grandes oportunidades de crescimento” nas empresas lusas.


Admitiu nuvens no horizonte da fileira têxtil europeia. Como vê a indústria têxtil portuguesa neste momento?
Está muito bem posicionada porque nos últimos anos soube reorganizar-se e estruturar-se. Percebeu como providenciar qualidade e serviço aos clientes internacionais e ainda tem custos competitivos quando comparada com outros países europeus. Vejo os têxteis portugueses com grandes oportunidades de crescimento no futuro próximo.

Mesmo na atual conjuntura internacional?
Sim, mesmo neste momento difícil têm bom potencial. Têm uma fórmula muito competitiva.

Mas Portugal pode dominar a indústria têxtil europeia?
Dependendo do segmento. Na moda, Itália continua a ser muito forte. Nos têxteis técnicos temos a Alemanha. Nos têxteis-lar pode ser claramente Portugal a liderar e, nos têxteis, Portugal pode ultrapassar países menos especializados na produção.

Itália é um cliente que tem estado a comprar cada vez mais em Portugal. Como vê isso?
Itália precisa de ter um fornecedor de confiança. E tem um conceito empresarial muito próximo do português, com empresas familiares, de dimensão não muito grande, lideradas pelos empreendedores. São modelos que se replicam e combinam facilmente.

O Congresso da ITMF regressou à Europa uma década depois. Pode ser um sinal de que a indústria têxtil europeia está a ganhar um novo fôlego?
Deixamos a produção de massa para outros países. Decidimos especializar-nos em segmentos como a inovação, a criatividade, o valor. E não devemos mudar de rumo. Há um mercado em crescimento para a nossa oferta e a qualidade europeia continua a ser muito apreciada e valorizada.

Mas a guerra comercial EUA – China, o protecionismo da administração Trump mesmo em relação à Europa não podem travar esse caminho?
O grande problema é a incerteza. Num clima de incerteza não se investe, não se compra e o mercado pode abrandar. Espero que a certo ponto, Donald Trump compreenda que os seus impostos podem ter mais impacto negativo do que positivo para o mercado americano e para o consumidor americano e tudo possa voltar ao normal.

Também temos o Brexit, a questão turca... Acredita mesmo que o ciclo de crescimento do sector têxtil pode ser mantido?
Não estou assim tão preocupado com o Brexit. Penso que vai ser uma transição suave. Sabemos que o mercado norte-americano em ano de eleições costuma abrandar e em 2020 há eleições nos EUA. Já a Turquia merece-me uma maior preocupação, até pelo impacto social. No entanto, podemos pensar que pode ser uma oportunidade para Portugal porque pode conseguir desviar encomendas da Turquia para o país.

Na sua intervenção destacou a falta de mão de obra especializada como uma ameça ao futuro da indústria têxtil europeia...
É preciso uma grande mudança. Temos de tornar os têxteis mais sexy porque o sector tem de conseguir atrair conhecimento, modernidade e flexibilidade e para isso precisa do contributo dos mais novos. Vivemos em democracia e cada um pode escolher o que quer fazer, mas se queremos continuar e até crescer, precisamos de mais trabalhadores. Temos de tornar o têxtil mais interessante e temos de competir com os outros sectores.

Com salários mais altos?
Os salários são importantes, mas temos mesmo de ser sexy, temos de pensar nisto em termos de psicologia, até porque os números mostram que os salários do sector não são mais baixos do que noutras indústrias ou no retalho.

Qual o maior desafio que a indústria têxtil tem pela frente?
Estamos num momento muito específico de transformação, a tecnologia vai impactar fortemente e mudar radicalmente a forma como fazemos as coisas. As empresas têm de ter meios, força e empenho para investir.

As startup podem ser fundamentais neste processo de transformação, modernização, digitalização?
São claramente uma forma de agilizar e acelerar tudo isso.