Vinte quilómetros e 30 minutos de carro. Assim se escreve em números a distância que separa Elvas da cidade que se encontra do outro lado da fronteira. A relação com Badajoz e a vizinha Espanha foi sempre essencial para o carácter (e a economia, diga-se) da cidade alentejana e ainda hoje se reflete no seu conjunto de fortificações e muralhas, o maior do mundo do seu género.
Se as disputas fronteiriças já são coisa do passado, hoje a palavra mais usada é cooperação, ou não fosse este um dos pontos mais atravessados na linha geográfica entre os dois países. Numa altura de ligações económicas cada vez mais estreitas, importa perceber como aproveitar esta relação estratégica e criar melhores condições para atrair mais pessoas e investimento.
“Em termos de relação transfronteiriça, o nosso mercado é muito aberto”, garantiu o administrador da Cersul, José Rasquilha, no VI Encontro Fora da Caixa E=MC2 . O ciclo de conferências da Caixa Geral de Depósitos, que conta com o apoio do Expresso, está de novo a percorrer o país na segunda edição, e desta feita esteve no Centro de Negócios Transfronteiriço de Elvas para promover uma discussão sobre os desafios e oportunidades das trocas económicas entre Portugal e Espanha.
Um pé dentro, outro fora
Nuestros hermanos são o principal mercado para o comércio português e representaram 26% das exportações portuguesas, enquanto os dados mais recentes da AICEP indicam que o país vizinho é responsável por 18,9% do investimento estrangeiro em Portugal. E em mais nenhum lado essa relação é tão evidente como em Elvas. Pelo menos a acreditar nas palavras de António Cachola. “Somos imbatíveisno aproveitamento da região transfronteiriça e podemos aproveitá-la como mais nenhuma, viver e experienciar em simultâneo duas culturas. É viver e crescer com um pé num lado e um pé noutro”, atira. Ainda assim, o desequilíbrio de população entre os dois lados da fronteira é evidente, com Badajoz a ter cerca de 150 mil habitantes e Elvas com 18 mil. O comendador concede que “os recursos humanos são efetivamente um problema”, mas acrescenta: “Temos condições para resolver esta situação com grande sucesso.” António Cachola diz que a região tem “cada vez mais atividades e condições para criar filhos”.
Internacionalização
O turismo tem contribuído para a melhoria das condições económicas, e as “pessoas que vêm ao Alentejo são cada vez mais exigentes e com mais poder de compra”, afirma o comendador. A região é a única do país a apostar na certificação turística; por exemplo, as dormidas em agosto deste ano aumentaram 5,8% face a 2018, segundo o INE. O que não impede que as “empresas portuguesas sediadas no interior” continuem a sentir “fortes dificuldades”, lembra o gerente dos Armazéns Marvanejo, Luís Marvanejo. O que difere é que muitas empresas “apostaram em sair das suas zonas de conforto”, e isso foi o que permitiu a algumas crescer e beneficiar das oportunidades resultantes da internacionalização da economia.
Maria Ana Alves, administradora do Grupo Ezequiel Francisco Alves, não tem dúvidas de que é necessário (e possível) “trazer mais investimento para o Alentejo” através da divulgação e da criação de melhores “condições para as empresas”. Trabalho que já está a ser feito, apesar de a “questão da localização ainda levantar muitos desafios”, recorda Francisco Cary. O administrador executivo da CGD identifica mesmo assim um “tecido empresarial que acaba por ser bastante diversificado”, com investimentos que alternam entre o “mais micro e mais ligados ao turismo”. Numa região com “grande matéria-prima para trabalhar”, o responsável olha ainda para o potencial da partilha de infraestruturas entre Elvas, Campo Maior e Badajoz.
Ligação transfronteiriça que pode sentir o impacto da instabilidade na Catalunha. Um trabalho do Fórum para a Competitividade garante que a região autónoma é responsável por 16%, ou cerca de €1,7 mil milhões, do total das exportações portuguesas para Espanha, e Bruno Cardoso Reis, professor universitário no CEI do ISCTE-IUL, alerta para este perigo numa fase em que é “preciso mais cooperação”. Já o embaixador António Tânger Corrêa “não tem dúvida nenhuma” de que “vai haver mudança na Europa”. Numa Elvas internacional, resta perceber qual vai ser o impacto.
“A cultura é determinante para fazer crescer a economia”
Inaugurado em 2007, o Museu de Arte Contemporânea de Elvas foi instalada no edifício da antiga Santa Casa da Misericórdia e cedo deu uma nova relevância artística à cidade alentejana como casa da Coleção António Cachola. “São perto de 850 peças”, revela o comendador, que foi construindo o seu espólio ao longo dos anos com o objetivo de contribuir para o enriquecimento cultural e económico da região. “É uma equação simples mas muito poderosa. A cultura é determinante para fazer crescer a economia”, garante. As atividades artísticas deverm ter “a capacidade de produzir realidade, não só de ser um espelho”, aponta, com a certeza de que só esta valorização é capaz de proteger a herança cultural e popular do Alentejo. “O que não é difícil tendo em conta a marca e a identidade” que a região construiu, de que são exemplo as sucessivas candidaturas com sucesso ao estatuto de Património Imaterial da UNESCO, como o cante alentejano ou a produção de figurado em barro de Estremoz. Elvas e as suas fortificações são também Património Mundial desde 2012, e a aposta na cultura faz parte de um “plano estratégico para o turismo do Alentejo que estará pronto até maio do próximo ano”.
O que disseram
“Deveria existir uma instância supramunicipal entre o poder local e o central. Este território beneficiaria completamente”
António Cachola
Comendador
“Temos procurado formas de nos desenvolver. Novas brechas e nichos de mercado que nos permitam sobreviver neste mundo”
José Rasquilha
Administrador da Cersul
“Podemos fazer muitas coisas na vida, mas mudar a localização de um país não é uma delas. Espanha vai estar sempre aqui ao lado”
Bruno Cardoso Reis
Professor universitário no CEI do ISCTE-IUL
“O sector hoteleiro é muito difícil. (...) Não podemos querer ser um país baratinho”
Maria Ana Alves
Administradora do Grupo Ezequiel Francisco Alves
Textos originalmente publicados no Expresso de 19 de outubro de 2019