Economia

Investidores perderam 5 mil milhões, contribuintes outro tanto. E a fatura ainda vai subir

Cinco anos depois, o balanço da queda do Banco Espírito Santo é ainda difícil de fazer. No início da linha, o Estado entrou para salvar o Novo Banco. No fim da linha, estará a banca. Mas quando vão parar de aumentar os encargos com a derrocada do império de que Ricardo Salgado era o principal rosto?

A assinatura do acordo de venda do Novo Banco à Lone Star aconteceu a 18 de outubro de 2017 no Banco de Portugal. Um negócio festejado mas que ainda dá dores de cabeça
Alberto Frias

Estão a completar-se cinco anos desde que o Banco Espírito Santo foi intervencionado. Foi num fim-de-semana quente, era 3 de agosto, e ocorreu a grande velocidade. Havia um buraco para tapar que, no imediato, ascendeu a 4,9 mil milhões de euros – foi o custo da capitalização do então criado Novo Banco. Mas o impacto em Portugal foi maior. Desde logo, porque no BES “mau” ficaram acionistas e credores subordinados e aí ficou um outro buraco, neste caso, de 6 mil milhões. Os custos ainda podem ir além. Isto sem contabilizar os grupos económicos que, logo após o fim do banco, ruíram.

O montante que, em agosto de 2014, foi desbloqueado serviu para que o banco se mantivesse em atividade. O BES foi dividido em dois, nascendo o “banco bom” – o Novo Banco – e permanecendo o BES “mau”, onde ficaram, entre outros, os acionistas e os credores subordinados (e para onde passaram, depois, credores seniores). No Novo Banco ficou tudo o resto. E muitos problemas para resolver. Só três anos depois foi vendido, mas continua a custar dinheiro aos contribuintes.

No fim da linha, serão os bancos a pagar a fatura através das contribuições para o Fundo de Resolução, mas, até lá (e o até lá significa até 2046, quando vencem os empréstimos do Estado ao Fundo), são os portugueses - os contribuintes - a suportar os encargos.

Ricardo Salgado saiu do BES em julho de 2014, depois de meses de pressão do Banco de Portugal
Mário Cruz / Lusa

Facilitando a leitura, o resumo é o seguinte:

2014 - Ricardo Salgado sai do BES. Dá-se a resolução do banco. Há a injeção de 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução no Novo Banco. O Fundo assegura, assim, a posição de acionista único do herdeiro do BES.

Deste montante, 3,9 mil milhões vieram de um empréstimo do Estado; 700 milhões de um empréstimo dado por bancos do sistema (CGD, BCP, BPI, Santander, Banco Montepio, BIC e Crédito Agrícola); e 365 milhões eram os recursos disponíveis na altura pelo Fundo. O dinheiro deveria ser recuperado com a venda da posição do Fundo de Resolução.

2015 – Inicia-se um processo de venda rápida do Novo Banco (contra a vontade do seu primeiro líder, Vítor Bento), que falha. O Banco de Portugal decide retransmitir 2 mil milhões de euros em obrigações seniores para o BES mau, para capitalizar o banco “bom”. A decisão apanha grandes investidores, como a gestora de ativos americano Pimco. Estes investidores e o Goldman Sachs, que tinha montado um veículo de ajuda ao BES iniciam, aqui, uma batalha judicial com o supervisor português.

2016 – O Estado renegoceia os prazos dos empréstimos ao Fundo de Resolução (tanto do Tesouro como com os bancos) que estendem a data de reembolso até 2046.

2017 – É vendida uma parcela de 75% do Novo Banco à Lone Star por zero euros, com o compromisso de a gestora americana injetar 1.000 milhões de euros no capital. O que fez. O Fundo de Resolução manteve uma posição de 25%. É também acordado o designado mecanismo de capital contingente, que protege um conjunto de ativos tóxicos que, se perderem valor e se tal afetar os rácios de capital do banco abaixo de determinado montante, dará direito a uma compensação a pagar ao Novo Banco pelo Fundo de Resolução. O mecanismo pode ascender a 3,89 mil milhões de euros.

2018 – O Estado é chamado a injetar 792 milhões de euros no banco liderado por António Ramalho logo no primeiro ano, por conta dos ativos tóxicos que ficaram sob a alçada do Fundo de Resolução. Deste montante, 430 milhões são emprestados pelo Tesouro português, o restante é de recursos próprios da entidade (que são as contribuições dos bancos).

2019 – O Estado volta a financiar a injeção de mais 1.149 milhões de euros do Fundo de Resolução, por via deste mecanismo considerado essencial para que os norte-americanos da Lone Star comprassem a maioria do capital do banco. O montante é composto por 850 milhões do Tesouro, o restante por recursos próprios. Em 2018 e 2019, o Fundo já colocou 1.914 milhões de euros.

Até 2025 Durante este período, o Estado poderá ter de injetar mais 2 mil milhões no Novo Banco, que é o que resta do patamar definido de 3,89 mil milhões de euros por conta do Fundo de Resolução.

O Novo Banco pertence maioritariamente a privados, mas ainda há dinheiro público a sustentar o banco
Luís Barra

A fatura não está fechada

A conta que aumenta a cada ano que passa foi aberta em agosto de 2014, quando se decidiu a resolução do Banco Espírito Santo, e a separação entre "banco mau" - o BES - e "banco bom" - o Novo Banco.

Há várias formas de olhar para o custo. Uma delas aponta para uma conta que, no total, mostra o Novo Banco a receber 6,8 mil milhões de euros. Destes, mil milhões foram "privados" (mil milhões da Lone Star em 2017) e 5,8 mil milhões pelo Fundo de Resolução (que entra para as contas públicas). De todo este montante do Fundo de Resolução, os contribuintes emprestaram 5,18 mil milhões (os 3,9 mil milhões iniciais, os 430 milhões colocados em 2018 e os 850 milhões deste ano). Até 2046, este veículo financiado pelos bancos tem de reembolsar o Tesouro português destes empréstimos (e de outros vindouros).

Tendo em conta o patamar máximo da garantia negociado com a Lone Star, o Fundo de Resolução pode ainda ter de injetar até um máximo de quase dois mil milhões. E pode precisar do Estado para isso.

Esgotada a verba do mecanismo de capital contingente, se o Novo Banco precisar de capital, terá de recorrer aos seus acionistas - Fundo de Resolução e Lone Star - e/ou ao mercado, por via das regras acordadas na venda com as autoridades europeias.

Está, no entanto, negociada uma rede de segurança em que o Estado pode ser chamado a intervir para assegurar a estabilidade financeira. Não tem qualquer importância definida. Tanto o Governo como o Banco de Portugal defendem que esta rede dificilmente será necessária.

O nome Espírito Santo está ainda na entidade que se encontra em liquidação. Com um buraco de 6 mil milhões de euros.
Foto José Carlos Carvalho

Ainda há o custo económico do BES "mau"

Mas estes montantes não incluem todos os custos da intervenção no BES. Falta saber os custos totais que terá o "banco mau", bem como os encargos que podem decorrer de processos judiciais colocados contra o Novo Banco, entre os quais os processos dos fundos internacionais, acionistas e clientes - os chamados lesados do BES.

O Banco Espírito Santo – aquele que ainda carrega o nome – é o chamado banco “mau” e traz consigo um “buraco” de 6 mil milhões. É este o montante negativo que resta quando se utiliza o ativo existente para cobrir as responsabilidades totais perante acionistas, credores, entre outros. Estão aqui contabilizadas as responsabilidades de 2 mil milhões que saíram do Novo Banco, para o capitalizar em 2015, representadas pelos obrigacionistas seniores.

No processo de liquidação deste antigo banco, houve reclamações de créditos de milhares de investidores. Foram reconhecidos créditos de 5 mil milhões de euros pela comissão liquidatária – mas ainda há direito a impugnações. E terá de haver um julgamento.

O vice-governador do Banco de Portugal e presidente do Fundo de Resolução, Luís Máximo dos Santos, tem de lidar com um fardo passado
Alberto Frias

E... outros compromissos

Neste processo de liquidação, o Fundo de Resolução é o responsável último por garantir que os credores seniores recebem 31,7% do seu investimento. Ou seja, não conseguindo os investidores obter este ressarcimento na liquidação, é o Fundo de Resolução que tem de compensar, para assegurar o cumprimento da lei das intervenções bancárias. Com base nos créditos reconhecidos, este encargo poderá ascender a 700 milhões de euros.

Além disso, o Fundo de Resolução está, desde 2015, obrigado pelo Banco de Portugal a “neutralizar os efeitos negativos de decisões decorrentes do processo de resolução que resultem em responsabilidades ou contingências” para o Novo Banco. Uma incerteza que poderá ter um impacto significativo neste veículo liderado pelo vice-governador Luís Máximo dos Santos.

E ainda há a contar todo o mundo económico que estava suportado no Banco Espírito Santo (ou, alargando o espetro, no Grupo Espírito Santo): a Portugal Telecom e a Ongoing foram os primeiros exemplos.

O BES caiu há cinco anos, mas a fatura ainda vai aumentar por muito mais tempo.