Economia

Agricultores culpam Governo pelo atraso na identificação dos beneficiários efetivos

Os atrasos das empresas na identificação dos seus beneficiários efetivos deve-se à falta de publicitação da lei e ao excesso de burocracia que o processo envolve. A opinião é da Confederação de Agricultores de Portugal, para quem o formulário do beneficiário efetivo é tudo menos Simplex

Desconhecimento da lei, duplicações desnecessárias e burocracia inútil. É deste modo que a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) justifica o facto de, a poucos dias do final do prazo, apenas 10% das sociedades terem identificado os seus beneficiários efetivos, levando o Governo a decretar uma extensão do prazo.

Cristina Morais, chefe de gabinete da direção da CAP diz ao Expresso que a responsabilidade pelo enorme atraso deste processo declarativo, que mobiliza cerca de 780 mil entidades, é do Governo. Mais concretamente, “o incumprimento deve-se não só à total inexistência de informação às empresas mas também à conceção de um formulário totalmente arcaico por parte do Estado”.

A identificação do beneficiário efetivo faz-se através do preenchimento de um formulário online mas que, segundo a CAP, tem pouco de digital. Aliás, foi concebido como se de um formulário de papel se tratasse e transposto para a internet, considera Cristina Morais. Um exemplo disso está no facto de se exigir uma duplicação de trabalho às empresas com certidão permanente. Explicando, a certidão permanente é um registo com informação constante do registo comercial de uma entidade, e entre elas, o nome dos sócios e o respetivo capital social. Nem sempre os sócios de uma empresa são pessoas individuais (há sócios que são empresas) pelo que, nem sempre é possível, através da certidão permanente, saber quem é o beneficiário efetivo. Mas há milhares de outras situações em que a informação já existe no registo comercial e que podia ter sido simplesmente migrada para o RCBE, em vez de se exigir uma duplicação de esforços.

Trata-se de “uma regressão de vários anos relativamente aos avanços que foram sendo conseguidos com as várias edições do Simplex”, diz Cristina Morais, que aponta o dedo ao facto de o Governo não ter ouvido os representantes das empresas antes de avançar.

Mas não é só. O processo que leva à constituição do RCBE enferma também de “burocracia inútil”, ao pedir às empresas dados como a indicação da junta de freguesia da morada do declarante, indicação da naturalidade (concelho e freguesia) dos sócios e beneficiários e junta de freguesia da morada dos sócios e beneficiários. Informação que é irrelevante, como não consta do cartão do cidadão.

O sistema também não facilita a vida ás entidades, permitindo-lhe poupar tempo e saltar campos de preenchimento. Pelo contrário, “o formulário não é inteligente, coloca questões inúteis e incompreensíveis”, aponta a CAP.

Sociedades dispõem de mais dois meses

A reação dos Agricultores surge no mesmo dia em que o Governo anunciou ter adiado por dois meses o processo de divulgação do beneficiário efetivo, com o argumento de que a lei é complexa e ainda desconhecida de muitas entidades obrigadas.

A decisão surge depois de se ter verificado que, a 15 dias do final do prazo, apenas 10% das entidades sujeitas estavam em conformidade com a Lei, como o Expresso avançou na edição deste fim-de-semana.

De acordo com números facultados na altura pelo Ministério da Justiça ao Expresso, o universo de entidades obrigadas a submeter o formulário no Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) ronda as 780 mil. Uma parte substancial — 580 mil — são sociedades civis e comerciais que têm até ao fim do mês de abril para cumprir a obrigação. As restantes 200 mil são fundações, associações ou alguns condomínios que, de acordo com o calendário, têm até ao final de junho para se conformarem com a lei.

O problema é que, a duas semanas do final do primeiro prazo, onde está o grosso das sociedades a operar em Portugal, só 60 mil (cerca de 10% do total) tinham submetido o seu formulário. Fonte oficial do Ministério da Justiça admitiu na altura ao Expresso que “os números são preocupantes” mas tem ainda a expectativa de que na reta final do prazo “as entidades obrigadas cumpram, ainda e atempadamente, este registo”.

As regras exigem que estas entidades olhem para a sua cadeia de participações e vão mesmo até ao fim para conseguirem dar um rosto à pessoa ou pessoas que estão no topo. E se, para uma grande maioria o exercício será simples, já noutros casos, pode revelar-se um quebra-cabeças: basta pensar na sociedade A que é detida pela sociedade B, que por sua vez é detida pela C num território estrangeiro e por aí adiante, um caso em que é preciso seguir a árvore toda até encontrar as pessoas singulares.

A ideia é que cada país europeu crie a sua base de dados nacional, que estará disponível não só para consulta doméstica, mas também para pesquisa das autoridades internacionais na prevenção do branqueamento de capitais e da criminalidade economico-financeira.