“Eu gosto de dizer umas coisas provocantes”, avisou logo Horácio Negrão, antes de deixar uma questão para a plateia do XXVI Encontro Fora da Caixa: “Trás-os-Montes é a região do país com maior potencial. Porquê? Não está quase nada feito, está tudo por fazer”, atirou o presidente do Conselho de Administração da Vilas Alto do Lago. E se é verdade que o PIB per capita do Norte é apenas 64% face à média europeia e que os índices demográficos são preocupantes, também não é menos verdade que alguma coisa já foi feita. Quanto mais não seja o maior túnel de Portugal e o terceiro maior da Península Ibérica.
Inaugurado em 2016, o túnel do Marão colocou Vila Real mais próxima do resto do país e numa posição estratégica que lhe permite beneficiar da ligação mais direta ao Porto e do que isso pode significar em termos de laços económicos com Espanha. “Agora estamos a 55 minutos do aeroporto e a uma hora de um porto de mar”, lembrou o presidente da Câmara Municipal de Vila Real, Rui Gonçalves dos Santos. Apesar do autarca não fugir à perceção do Interior Norte como “um território de baixa densidade com indicadores económicos abaixo da média nacional e europeia”, chama também a atenção para “as mudanças subtis nos últimos anos”. Sem deixar de lançar o repto para a CGD “manter balcões abertos mesmo quando a rentabilidade não é a dos grandes centros”. Porque o contrário “não motiva o investidor”.
Os empresários, garante, “encontraram oportunidades nas carências” e o concelho procura aproveitar a ‘nova’ posição geográfica para atrair empresas de futuro. É o caso da Critical Software, que vai instalar um escritório na cidade com o objetivo de contratar 100 engenheiros em dois anos. O problema é se não os encontrar. “Há ainda uma falta de mão de obra qualificada para poder alavancar mudança nesse sentido”, avisa Francisco Seixas da Costa, para quem o Interior do país continua quase como um “Portugal de Leste”, em que a “economia não é suficiente para produzir riqueza e fixar pessoas”. O professor universitário defende que se deveriam “considerar formas mais verticais, mais homogéneas de olhar para o desenvolvimento do país”.
Na opinião do diretor do Instituto Empresarial do Tâmega, Luís Miguel Ribeiro, “temos que ter o foco na criação de condições para fixar as pessoas” quando a região perdeu 7% de população nos últimos anos. O problema da mão de obra é “transversal a todo o país” e o académico acredita que é importante “desenhar soluções para o conjunto e criar sinergias”. Caso contrário, estamos condenados a “bater nos mesmos problemas ao invés de criar soluções”.
Faltam casas
“Era mais fácil estar no Porto ou em Lisboa, provavelmente teríamos mais trabalhadores”, confessa o sócio-gerente da Carvalho & Mota, João Daniel Carvalho, o que no caso de uma empresa de construção pode fazer a diferença. Mas o responsável acredita no futuro de um sector que se “reinventou” no decorrer da crise e não pensa em deixar Vila Real. Até porque “é das melhores oportunidades” numa cidade e região onde “faltam muitas casas”, lembra Horácio Negrão, que reconhece a saída de pessoas mas aponta para a chegada (e regresso) de outras à procura das novas oportunidades.
Sempre com a ressalva de que o “Interior está todo numa situação de grande dificuldade”, segundo Daniel Bessa. O economista falou de “uma regressão demográfica muito violenta que, no essencial, continua” e delineou “duas grandes vias” para o futuro, na impossibilidade de garantir um investimento público transformador na linha da barragem do Alqueva, por exemplo. A primeira passa pela atração de investimento exterior, enquanto a segunda centra-se no desenvolvimento dos recursos mais endógenos, o que pelo seu ponto de vista até “poderá ser o melhor”. Para isso é preciso “vender melhor” o que produzimos, algo que considera ainda uma característica típica dos portugueses. “Não temos capacidade de transformar mais em valor o que temos em qualidade de produto”, acrescenta o presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa dos Olivicultores de Valpaços, Fernando Mourão Vieira. Líder da segunda maior estrutura do género do país (com uma faturação de €6 milhões), admite que a parte da venda ainda não acompanha a qualidade do produto e que “ainda há muito para fazer” para que a região seja mais aliciante.
Caminho para o qual Paul Symington, da Symington Family Estates, olha com esperança, porque existem “outros alicerces em comparação com 20 anos atrás”, com o túnel e os novos acessos a ajudarem a região a fazer as alterações que precisa. “O futuro tem que ser muito diferente”, vaticinou.