As cidades médias da região Centro têm conseguido encontrar o seu modelo de desenvolvimento e podem retirar enormes vantagens da globalização. O Centro do país pode mesmo tornar-se charneira entre as duas grandes regiões que contam nos mapas europeus: o nordeste, com o Porto, Braga e Aveiro; e o arco metropolitano de Lisboa, de Leiria a Sines e Évora.
“Se pensarmos em termos globais, conseguimos ultrapassar a periferia, na qual Portugal se encontra em termos europeus e criar dinâmicas que nos permitam crescer”, diz Félix Ribeiro, o especialista que coordenou o estudo da Gulbenkian sobre regiões. Em mais uma edição dos Encontros Fora da Caixa, em Viseu, Félix Ribeiro lembra que “Portugal fez uma transformação notável nos últimos 20 anos e isso foi feito a partir de duas regiões que são dinâmicas”. Perante os mais de 500 empresários que participaram na iniciativa da CGD, à qual o Expresso se associa-se, Félix Ribeiro foi ainda mais claro: “Apenas precisamos de concentrar conhecimento e ter capacidade empresarial.”
O ‘país-donut’
Paulo Macedo reconhece que o Centro do país e de um modo particular “Viseu estão a atrair conhecimento e a reunir novas competências” e crédito não falta. O presidente da Caixa Geral de Depósitos diz que o banco público “tem liquidez para investir em bons projetos e em empresas inovadoras” e destaca a aposta que a região faz “em sectores tradicionais, como a madeira e cortiça, transportes e agroalimentar”.
Félix Ribeiro esclarece que a interioridade não é um dilema ou uma dificuldade e socorre-se de uma estranha analogia para o exemplificar. “A geografia é deformável conforme o problema que queremos resolver. Nós temos um país, como um donut, que tem uma parte saborosa e outra que é um buraco. Esse buraco pode unir as duas regiões com que Portugal entra na globalização. A região não tem concentração, mas distribui-se num quadrado cheio de iniciativa.” Um quadrado que “oferece estabilidade a Portugal com comunidades que são capazes de se organizar para ajudar a competir”.
Exemplos de boas práticas não faltam à região, onde Viseu toma papel dianteiro, uma cidade que “deslumbra, por ter qualidade de vida e equilíbrio”, diz José João Guilherme, administrador-executivo da CGD.
Completar a acessibilidade
Nas empresas também há vontade de quebrar as contingências e preencher “o buraco” apontado por Félix Ribeiro. “O interior de hoje não é o interior de há 20 anos, de Vilar Formoso ao litoral são 200 quilómetros e, estar onde estamos, com ligação rápida à fronteira, é economia para quem exporta”, analisa o administrador da Movecho, empresa que se especializou em design e que trabalha no sector das madeiras e cortiças. Luís Abrantes sustenta que “a Movecho não tem dificuldades em recrutar talento, as pessoas procuram qualidade de vida e isso Viseu oferece” e aponta um exemplo claro: “Em 200 colaboradores, 44 são licenciados.” Ao lado, Pedro Polónio, administrador da Patinter, uma das maiores empresas de transportes da Península Ibérica e que transporta muita das exportações da região, lembra que “a interioridade nem sempre é geográfica”. E sustenta: “Quando falamos de queijo da Serra, fruta, carne ou granito não há interioridade e a região é central na produção destes produtos.” Indo mais longe, Polónio reforça que “é difícil” considerar Viseu como interior porque, se olharmos para o mapa da Europa, Portugal é periférico: “Somos muito litorais e temos que olhar bem para o mar e aproveitar esta potencialidade. E perder o queixume do interior, a adjetivação de quem vive a 70 quilómetros do mar. E não falar tanto do interior como se só tivéssemos defeitos e fossemos menos capazes.” Para a Patinter a economia viseense tem “enorme atratividade e boas acessibilidades”, mas faltam pontas que fazem perder esse valor: “Temos a A25 mas faltam 20 quilómetros a ligar ao IP3 que oferece fracas condições e cria entropias. Mais do que interioridade, precisamos gastar aqui os milhões porque são milhões que multiplicam e há investimentos à espera.” Ou seja, que se complete a malha de acessibilidades. Assimetrias entre cidades e o meio rural que existem.
Mas “as cidades médias do interior do país têm conseguido encontrar os seus modelos de desenvolvimento”. Modelos que passam pelos sectores dos “transportes, cortiça e alimentar, onde há empresas a criar novos produtos e com um conjunto de técnicos com novas competências, como é exemplo o Grupo Visabeira”, apontou o presidente da CGD que esteve reunido com empresários que permitem ao banco público ser líder no crédito concedido aos empreendedores da região, com uma quota de mercado de 38%. Paulo Macedo sustenta que será a dinâmica empresarial a permitir que a CGD “cresça” no crédito: “Temos liquidez só não queremos cometer erros do passado, em termos de análise de risco.”
Interioridade rima com atratividade
“A interioridade não convence. Uma cidade com talento e competências passa a ser projeto de desenvolvimento e crescimento, melhorando a economia digital e a qualidade de vida”, como fez Viseu onde “interioridade rima com atratividade”. Luís Valadares Tavares, consultor e professor universitário no Instituto Superior Técnico, lembra que “apesar de localizada no interior do país, Viseu tem conseguido crescer, atrair talento e aumentar a população”. O especialista concorda com a tendência que faz concentrar nas cidades os polos de desenvolvimento, mas “é preciso saber atrair” o talento. “Aliás, com as redes digitais, a questão da distância nem sequer se coloca”. Valadares Tavares defende que “não se podem discutir as cidades como fazíamos há alguns anos” e aponta caminhos. “Viseu com este dinamismo e este crescimento de população tem contribuído para a economia digital, mas faltam competências na segurança digital, onde não formamos as competências de que a sociedade necessita.”
Citações
Viseu tem algumas das
empresas mais dinâmicas do país, empresários do sector da cortiça e da área alimentar com novos produtos e um conjunto
de técnicos com novas competências
Paulo Macedo
Presidente da CGD
A qualidade de vida
e o equilíbrio
deslumbram em Viseu
José João Guilherme
Administrador-executivo da CGD
A região centro é fundamental para unir
as duas placas com
as quais Portugal entra
na globalização; não tem concentração, mas
distribui-se num quadrado cheio de iniciativa
Félix Ribeiro
Investigador
Não temos dificuldade
em atrair talento,
as pessoas procuram qualidade de vida.
E em Viseu encontram-na
Luís Abrantes
Presidente do conselho
de administração da Movecho
A interioridade nem
sempre é geográfica;
quando falamos de queijo
da Serra, fruta, carne
ou granito não há interioridade, e a região é central na produção destes
Pedro Polónio
Administrador da Patinter
Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de dezembro de 2017