O encontro era para conhecer melhor a economia e os empresários da Madeira e falar de turismo. Mas a política ganhou protagonismo quando Miguel Albuquerque, um dos convidados para o VIII “Encontros Fora da Caixa”, confessou a desilusão em relação à República que, além de falhar os compromissos assumidos, está, segundo ele, “a ganhar dinheiro” à custa da região por não renegociar os juros do empréstimo de €1,5 milhões. À discussão veio igualmente o Orçamento do Estado para 2017, as alterações climáticas, os incêndios, o momento da economia, o valor das taxas de juro e dos níveis de investimento em Portugal. No entanto, o que marcou o debate no Centro de Congressos Vidamar no último dia de outubro foram as intervenções do presidente do governo regional.
Miguel Albuquerque garantiu que a economia da Madeira atravessa um bom momento — está a crescer há 50 meses consecutivos; que a taxa de desemprego baixou de 15,8% para 10,8% e que as empresas estão a diversificar. A Madeira produz 64% do peixe produzido em aquacultura no país, exporta 16,5 milhões de cervejas para a China e tem o terceiro registo de navios da Europa, o primeiro do país já que “o de Lisboa só tem dois navios registados e quatro almirantes reformados”. Até baixaram impostos, o problema — além da dificuldade de comunicação do governo regional em explicar este bom momento — está em Lisboa.
O presidente do governo regional sublinhou a “desilusão completa” em relação ao Orçamento do Estado e disse que o primeiro-ministro, António Costa, falhou os compromissos de financiamento em 50% do hospital do Funchal e o pagamento da dívida de €16 milhões dos subsistemas de saúde — dos funcionários do Estado como polícias e militares na Madeira — ao serviço regional de saúde. Referiu ainda a renegociação dos juros do empréstimo de €1,5 mil milhões — o resgate da Madeira — que o governo regional queria baixar por forma a poupar €10 milhões ao ano.
Incêndios, o assunto
do momento
O discurso subiu de subiu com o tema do Orçamento do Estado, mas foi mais moderado em relação aos incêndios neste encontro no Funchal. Pouco chegou dos apoios prometidos para a reconstrução após os fogos de agosto do ano passado. Miguel Albuquerque não falou dessa promessa e admitiu que os incêndios são consequência das alterações climáticas, os que ocorreram na Madeira e os do continente. Também é certo que, no continente, parte do problema é político. “Há zonas onde as pessoas estão abandonadas, formam uma população envelhecida e empobrecida, à mercê de uma floresta que não tem um cadastro e é um autêntico barril de pólvora”, acrescentou.
O presidente do governo regional diz que as pessoas estão completamente abandonadas e isso é consequência da falta de apoio às cidades médias e pequenas e que se se não fizer nada estas “populações serão dizimadas”. O país, lembra, está centrado em Lisboa, Porto e Algarve, “o resto é paisagem”. Estas zonas não têm condições para reagir ao contrário da região a que preside. A Madeira está, conforme assegura, a limpar mato, a criar uma zona de corta-fogo no Funchal e terá, no próximo ano, um helicóptero de combate a incêndios que vai custar €1,2 milhões.
As alterações climáticas atingem a Madeira, como o resto do planeta, mas os dados apresentados no encontro, onde se falou de turismo e infraestruturas, mostram que a região está bem classificada. Soube perceber, de acordo com os hoteleiros, economistas e engenheiros que compareceram para falar do momento atual, que o sucesso do turismo poderia estar na capacidade de conciliar o património, a natureza, a segurança e a qualidade das infraestruturas. O balanço é positivo, as condições existem e é aqui que a banca entra para financiar projetos, seja um hotel ou uma empresa de mergulho e desportos radicais.
Taxas de juros baixas,
investimento baixo
A Caixa Geral de Depósitos, promotora do encontro, está aberta a todas as boas ideias e aos bons projetos. A garantia é de Paulo Macedo, presidente da Caixa, que também assegura que, de momento, o banco público português tem condições para financiar a economia. Houve uma recapitalização, as taxas de juro estão baixas e a conjuntura internacional é favorável ao país. Além disso, os índices de confiança dos consumidores estão em níveis históricos e a confiança dos empresários também subiu. “A Caixa tem claramente disponibilidade para financiar as empresas, os empresários e as famílias na Madeira.”
A disponibilidade, na verdade, é uma estratégia já que, de momento, é objetivo do banco “crescer em crédito”, o que não é fácil, pois o caminho tem sido o de menor endividamento. “Nós queremos crescer, temos condições concretas para crescer, para apoiar bons projetos, mas queremos evitar os erros do passado.” Os dados dos últimos meses mostram que 90% dos pedidos de crédito são aprovados o que comprova o sentimento de que se vive já um crescimento, inclusive do mercado imobiliário, sobretudo nas zonas prime.
Em resumo, a economia portuguesa está a crescer pelo quarto ano consecutivo, o ambiente é favorável, mas o discurso de Paulo Macedo é, mesmo assim, cauteloso porque, como diz, ninguém ache que foi feito tudo o que era preciso fazer e que a economia portuguesa continua a ter as suas fragilidades. Se as taxas de juros são as mais baixas dos últimos dez anos, também é verdade que o nível de investimento em Portugal está muito baixo. “Estão historicamente baixos”, conclui o presidente da Caixa.
“Não haverá invenções nem aventuras”
O encontro na Madeira coincidiu com o Dia Mundial da Poupança e, sobre esta questão, Rui Vilar sublinhou a estratégia da Caixa Geral de Depósitos para atrair aforradores numa altura em que as taxas de juros estão muito baixas. A situação, explicou o presidente do conselho de administração, “pode incentivar a criação de produtos financeiros complexos com a aparência ou promessa de bons retornos mas que incorporam elevados riscos”. Um caminho que o banco público não quer trilhar. “A Caixa Geral de Depósitos, a quem os portugueses confiam um terço dos seus depósitos, tem neste domínio uma posição de grande transparência e rigor procurando contribuir positivamente para uma saudável formação do mercado em condições de sustentabilidade e segurança. Da nossa parte não haverá invenções nem aventuras”.
Citações
As únicas coisas
onde se paga menos é na prestação
da casa e nos medicamentos
e isso as pessoas notam
PAULO MACEDO
Presidente da Comissão Executiva CGD
O Estado está a ganhar bastante dinheiro à nossa custa, e se baixasse os juros poupava à Madeira €10 milhões
MIGUEL ALBUQUERQUE
Presidente do Gov. Regional da Madeira
Portugal é um país desenvolvido
e nem sempre
temos a noção disso. Temos a noção de que Portugal é um país que esteve à beira da bancarrota
JOSÉ MANUEL FÉLIx RIBEIRO
Economista
Registos insulares
50
são os meses em que a economia da Madeira está a crescer
10,8%
é o valor da taxa de desemprego na Região
12
milhões de euros é a redução no IRS na Madeira em 2016 e 2017
Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de novembro de 2017