ARQUIVO Iniciativa Poupança

A contar os tostões

Estudo. 52% dos portugueses dizem que poupam, de acordo com um inquérito feito pelo Banco de Portugal.

Isabel Vicente www.expresso.pt)

Vamos viver os próximos anos a contar os tostões, como diriam os mais antigos.

Ninguém duvida disso, mesmo os mais otimistas. Mas se os contarmos, é sinal de que ainda poderá haver tostões para fazer um pé de meia. É esse o apelo e é esse o caminho que vamos ter de trilhar. A mensagem, que vem de todos os lados, pecou por ser tardia.

Há um ano, o Expresso falou com três famílias, Leonor, de nome fictício, divorciada e com um filho a estudar, nunca teve hábitos de poupança e mesmo que quisesse diz que era impossível. "Continuo a ganhar o mesmo, que é pouco, pouco mais do que o salário mínimo e está tudo mais caro." Aos 51 anos, o maior receio é ficar desempregada.

Já Manuel, hoje com 65 anos, continua a ter a pensão que já tinha, pequena, mas superior ao ordenado mínimo, mas com uma agravante: há um ano estava a trabalhar, hoje limita-se a ser reformado embora disponível para trabalhar se surgir oportunidade. Quanto à reforma, diz que vai levar um corte: "Não será muito, mas lá irei ficar com menos alguns euros este ano e, para o ano haverá menos passeios, por causa dos cortes nos dois subsídios (Natal e férias). O que vale, confessa, é que "o único crédito que tem acaba já para o ano" e a renda da casa não é exagerada.

Por sua vez, José, 45 anos, continua a viver em aperto. Embora tenha uma poupança há 11 anos depois de ter nascido o primeiro filho (têm dois). Casado com Teresa, de 41 anos, está apreensivo. Apesar de ganharem acima da média, como a mulher é funcionária pública, os rendimentos do casal vão sofrer mais cortes. Equacionam já retirar os filhos dos colégios privados e colocá-los no ensino público. "Começa a ser difícil manter o barco", afirma. "Temo-nos disciplinado mais e as despesas continuam a ser as mesmas. O dinheiro continua a ir direitinho para pagar as faturas", diz José. E, acrescenta, "a partir de agora vai ser mais difícil reforçar o seguro de capitalização que temos, aliás há meses que não entra lá nada".

Vamos todos ficar mais pobres. A construção do futuro vai passar pelo retomar de velhos hábitos que, por tudo ser mais escasso, não vão dar azo a desperdícios. Mais cuidado com as luzes acesas, os computadores ligados, a água mal fechada, as chamadas telefónicas (móvel ou fixo) desnecessárias. Fazer escolhas: cinema ou ir jantar, ter um livro ou mais uma peça de roupa, et cetera, et cetera.

Afinal o dinheiro vale mais do que parecia

"O sobre-endividamento é um drama social", disse esta semana o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, na primeira conferência sobre literacia financeira organizada pelo banco central.

Educar os mais jovens sobre o valor do dinheiro e reeducar os adultos sobre o mesmo é um trabalho que deve ser feito e repetidamente frisado. E foi. O governador quer mais informação por parte das instituições de crédito para que os cidadãos sejam mais conscientes dos riscos inerentes à contratação de produtos financeiros complexos.

O inquérito do BdP relativo a 2010 foi realizado a 2 mil portugueses, dos quais 58% fazem parte da população ativa. Há conclusões surpreendentes, quer pela positiva quer pela negativa no que toca à literacia dos portugueses. Nalguns aspetos estamos até muito bem: 52% dos inquiridos dizem ter hábitos de poupança. Mas, relativamente aos que poupam, apenas um quinto encara a poupança a longo prazo. Por ironia, também 52% dizem pagar a totalidade das despesas feitas com cartão de crédito no final do mês (ver destaques).

O reverso da medalha é penoso, Dos 48% dos inquiridos que não faz qualquer tipo de aforro, 88% diz não ter rendimentos disponíveis e 7% considera que poupar não é prioritário.

O alerta lançado pelo regulador da Bolsa, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que também entrou no debate, é revelador de que as instituições financeiras continuam a pisar no vermelho: de agosto a outubro só foi dada luz verde a 14% das campanhas de comercialização de produtos financeiros complexos - documentos informativos e publicidade. Ao todo foram 88 documentos e destes, 81% tiveram de ser alterados porque não tinham todas as informações necessárias. E 5% foram liminarmente rejeitados.

Já outros dos participantes na conferência, o Instituto de Seguros de Portugal, versou a sua contribuição sobre a necessidade de envolver os agentes das várias equações na aprendizagem, através de campanhas de proximidade didáticas. 

Vão ser muitas as entidades e as pessoas envolvidas no Plano Nacional de Formação Financeira a decorrer entre 2011 e 2015. Elaborado por um grupo de trabalho que inclui o Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal, contará também com a presença dos parceiros sociais e associações de consumidores, O objetivo é melhorar os conhecimentos e atitudes financeiras das pessoas e desenvolver hábitos de poupança em várias frentes.

9%

da população portuguesa com mais de 18 anos não têm conta bancária e destes, 67% dizem que é por não terem rendimentos suficientes, revela o inquérito do Banco de Portugal sobre literacia financeira. 64% dos inquiridos têm conta bancária e outros produtos financeiros

87%

de quem tem empréstimo à habitação nunca fazem pagamentos antecipados, por não terem dinheiro disponível, não acharem prioritário e não verem vantagens nisso

52%

dizem pagar na totalidade o cartão de crédito no final do mês, uma percentagem aparentemente elevada. 43% fazem pagamentos parciais (5% dos inquiridos não responderam a esta questão)