É uma das batalhas mais bem estudadas e documentadas da História mas continua a surpreender-nos: Hastings, 14 de outubro de 1066, fez cair uma dinastia e ligou indissoluvelmente os destinos da França e da Inglaterra até à Guerra dos Cem Anos.
Opôs a melhor cavalaria da Europa do seu tempo (a normanda) à melhor infantaria pesada (a inglesa). Travou-se no outono, fora da época habitual dos combates e durou quase um dia inteiro em vez de duas ou três horas. E os anglo-saxónicos que estiveram à beira de vencer, acabaram por perder devido a pormenores, um dos quais, o uso do arco num momento decisivo da batalha.
Foi este o tema da segunda sessão do V Curso de História Militar promovido às quartas-feiras pelo Centro de História da Universidade de Lisboa, sob o lema Arcos, Bestas e Máquinas de Assalto no Mundo Medieval. O conferencista foi João Gouveia Monteiro, docente e investigador do Centro de História da Sociedade e da Cultura da Faculdade de Letras de Coimbra.
Conhecemos os pormenores desta batalha através de diferentes fontes mas uma das mais curiosas e precisas é a grande Tapeçaria de Bayeux, mandada fazer dez anos depois por Odo, bispo de Bayeux, meio-irmão de Guilherme o Conquistador, vencedor de Hastings. É quase uma prefiguração da banda desenhada moderna: uma longa sucessão de quadros (meio metro de altura por 70 metros de comprimento), com desenhos e legendas complementares em cima e em baixo.
Um destes quadros mostra 23 arqueiros normandos a fazer tiro parabólico, contra a infantaria inglesa, estando representado um só arqueiro do lado inglês. É, como sublinhou Gouveia Monteiro, o momento-chave da batalha.
Durante todo o dia, a muralha de escudos anglo-saxónica aguentou as investidas da cavalaria normanda. Só se começou a desgastar, quando grupos de combatentes avançaram para campo aberto, perseguindo o inimigo em fuga e acabaram trucidados em rápidos contra-ataques.
Mesmo assim, as coisas continuavam favoráveis aos homens do rei Haroldo, além do mais embalados pela vitória conseguida três semanas antes (25 de setembro de 1066), em Stanford Bridge, contra outros invasores, os noruegueses do rei Harald.
Contudo, esta vitória, de resto surpreendente, tinha em si o germe da derrota. Haroldo de Inglaterra, sabedor de que os normandos se preparavam para desembarcar, teve que fazer 300 km em marchas forçadas, prescindindo dos elementos menos móveis (e de base mais local) do seu exército: os arqueiros.
No momento decisivo, ao fim de horas de combates, os normandos, antes de contra-atacarem, procuraram enfraquecer a muralha de escudos inglesa com uma chuva de setas disparadas em tiro mergulhante. Do lado contrário não havia arqueiros suficientes para responder e a infantaria começou a oscilar, desmoralizando de vez quando uma seta atingiu num olho o rei Haroldo, ferindo-o mortalmente.
Que arcos eram estes? Segundo a tapeçaria, há uma mistura de arcos simples e de arcos longos ("long bows"). Grande ironia, quando o arco longo que, na Guerra dos Cem Anos, passará a estar associado aos exércitos ingleses, era de origem galesa. E havia sido usado com êxito em Stanford Bridge contra os invasores nórdicos: o rei Harald, tido por um gigante invencível, morreu com uma flecha na garganta.
"É raro que, tanto no mundo antigo, como na Idade Média, uma batalha mude a História como esta o fez", disse o conferencista. Nem a tremenda derrota de Canas com os cartagineses fez cair Roma. Mas, de facto, Hastings assinalou, no dizer de João Gouveia Monteiro, uma mudança de rei, de nobreza e de regime de propriedade. Durante 150 anos o francês será a língua culta em Inglaterra e o comércio da ilha deslocar-se-á do seu eixo natural, o norte da Europa, para o espaço francocêntrico.
Haverá um império normando em França, durante 300 anos, da Aquitânia (Bordéus), à Normandia e à Bretanha que só terminará com a Guerra dos Cem Anos.
"Hastings assinalou a última vez que a Grã-Bretanha foi conquistada, algo que nem a Invencível Armada, nem Napoleão, nem os bombardeiros de Hitler conseguiriam fazer", conclui o orador.