Quando a Grande Guerra começou, nos primeiros dias de Agosto de 1914 e com a invasão da Bélgica pelas tropas da Alemanha, os contingentes envolvidos pensaram que se trataria de uma campanha rápida e fulminante e, portanto, que já iriam passar o Natal em casa. Só que a "guerra da liberdade" ou "guerra da pátria" foi muito mais prolongada e dolorosa. Não tivesse sido o Armistício assinado em 11 de Novembro de 1918 e as tropas teriam vivido cinco Natais nas trincheiras. O conflito que os livros de História registariam como a I Guerra Mundial durou 51 meses, com 65 milhões de homens mobilizados, oito milhões e meio de mortos e muitos milhares de prisioneiros e desaparecidos. Afectou todo o globo, muito para além das potências directamente envolvidas no conflito, e demonstrou a fragilidade da ordem internacional. E se a rivalidade económica entre as grandes potências determinou a guerra, as circusntâncias, o tipo de de armas e as formas de combate desenvolvidas determinaram uma outra realidade. Significativamente, "o campo de batalha modificou-se. O mundo percebeu a sua nova dimensão". Eis as linhas de força da conferência "a Guerra das Trincheiras (1914-1918)", pelo Tenente-Coronel Aniceto Afonso, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no âmbito do I Curso Livre de História Militar.
Segundo este militar, para lá dos interesses económicos e políticos e das forças diplomáticas em jogo, "ainda estamos longe de saber quais eram os sentimentos profundos dos povos europeus antes da Grande Guerra". Seguramente muitos pressentiram "um pós-guerra auspicioso, livre de outras guerras, antecipando um mundo novo, uma nova ordem", enquanto outros não desistiram de evitar a guerra. Como se veria, esta não foi decisiva. Foi preciso outro conflito à escala planetária, o de 1939-45, para que a Europa viesse a encontrar um caminho comum.
Na preparação da guerra, Aniceto Afonso destaca o papel do plano alemão Schlieffen (concebido pelo general com o mesmo nome) e o do francês, o chamado Plano XVII: no primeiro caso as forças germânicas iriam concentrar-se no ataque a Ocidente, culminando com a tomada de Paris, através da Bélgica e prevendo a derrota da França em seis semanas. No caso francês, a doutrina predominante era a da ofensiva a todo o custo, virando-se as forças de combate para os territórios da Alsácia e da Lorena, perdidos em 1871.
Entretanto, e com o envolvimento de outras forças, como os exércitos belga e britânico, o plano alemão vai demonstrando a sua fragilidade. Temos as primeiras e sucessivas batalhas, Liège, Ardenas, Charleroi, com fogos maciços, efectivos volumosos, tentativas desastrosas de avanço em terreno descoberto, milhares de mortos, trincheiras. Neste cenário é determinate o desenvolvimento da artilharia, com os milhões de granadas e disparos, "soterrando homens e materiais, abrindo enormes crateras e transformando o campo de batalha numa paisagem lunar," referiu o conferencista, citando Nuno Santa Clara Gomes: "Acreditou-se mesmo que, nas zonas mais intensamente bombardeadas, naquelas em que a frente tinha estabilizado por mais tempo ou em que a batalha tinha sido mais intensa, a terra ficaria para sempre estéril, pelo efeito combinado dos explosivos, dos gases e do próprio metal espalhado", continuou o conferencista a citar. Determinante foi ainda o papel das metralhadoras, empregues antes, como na Guerra Civil Americana, mas cuja capacidade assassina só foi verdadeiramente compreendida no conflito de 1914-18.
Perante o resultado mortífero dos ataques frontais e pela dificuldade de atacar através de flancos, a frente Ocidental, situada entre a fronteira suíça e o canal da Mancha, será transformada numa imensa linha de trincheiras, atravessadas, no meio, por perigosas "terras de ninguém". Com o número de efectivos equilibrado entre os lados opostos do conflito, "a guerra do impasse é a essência da Grande Guerra", dirá Aniceto Afonso. Este impasse é ultrapassado através de novos tipo de carros de combate, da aviação (ainda incipiente, longe do papel poderoso que irá desempenhar na II Guerra Mundial), e com outro recurso cruel: os gases, arma de dois gumes, caso os ventos se voltassem contra quem os lançava. Neste medir de forças, os Aliados seriam mais rápidos e eficazes. "Um enorme sentimento de libertação apoderou-se das martirizadas populações europeias", conclui o conferencista. Claro, não seria a última das guerras.