Quando, em Agosto de 1808, Junot se dirigiu ao Vimeiro para travar a batalha que iria decidir a sorte da I Invasão Francesa, teve que deixar 6.000 homens a guarnecer as fortalezas do Tejo, o que representava um quarto dos seus efectivos. "Eventualmente estes reforços não teriam modificado o desfecho do confronto. Mas mostram como a posse das fortificações é um pau de dois bicos". Esta uma das reflexões de António Ventura, docente da Faculdade de Letras e responsável do Centro de História da Universidade de Lisboa, entidade organizadora do I Curso Livre de História Militar que ontem terminou na capital.
Nesta última aula estiveram em foco os cercos durante a Guerra Peninsular, "muito mais duros e frequentes do que se pensa", como sublinhou António Ventura. Houve qualquer coisa como 1.500 episódios de assédio a fortalezas, entre 1808 e 1814, alguns dos quais durando meses e mobilizando efectivos da ordem das várias dezenas de milhar de combatentes. "Não podemos olhar para os acontecimentos numa perspectiva estritamente portuguesa". Soult fica isolado no Porto, durante a II Invasão Francesa, em Maio de 1809, porque as tropas que o deviam vir apoiar estavam envolvidas em operações, nomeadamente de cerco, em Espanha. E, durante a III Invasão Francesa, o mesmo Soult não vem apoiar Massena pelo Alentejo porque tem as suas forças empenhadas no cerco de Badajoz, de Janeiro a Março de 1811.
Nem sempre as fortalezas impediram os exércitos de manobrar. Em 1801, durante a Guerra das Laranjas, os exércitos espanhóis que invadiram Portugal pelo Alentejo, num prelúdio das Invasões Francesas, evitaram entrar em combate com a guarnição de Elvas, preferindo tomar fortalezas mais mal defendidas como Juromenha ou Olivença. "Mas, em contrapartida, os 6.000 soldados de Elvas ficaram bloqueados atrás das muralhas e não puderam intervir nos combates".
Uma das coisas que torna a Guerra Peninsular diferente é a sucessão de cercos, por vezes com continuada troca de papéis. Entre 1810 e 1814 Badajoz sofreu quatro cercos, dois franceses e dois anglo-lusos. O cerco de Cadiz foi o mais longo e o que mobilizou mais efectivos, durando de Fevereiro de 1810 a Julho de 1812. Este porto fortificado do sul de Espanha foi sempre abastecido pela marinha britânica e tornou-se na capital política da Espanha revoltada, tendo aqui sido aprovada a primeira constituição liberal que, de resto, o rei Fernando VII, ao voltar ao poder, em 1814, se apressaria a abolir.
Almeida teve um dos mais curtos cercos da Guerra Peninsular durando apenas de 15 a 28 de Agosto de 1810, uma vez que ao fim do primeiro dia de bombardeamentos, o paiol explodiu, provocando 200 mortos, brechas na muralha e a desmoralização dos defensores. O tenente-rei Bernardo da Costa Almeida viria a ser o bode expiatório da rendição, num julgamento militar orquestrado pelos britânicos. Também o segundo cerco de Almeida, agora pelos anglo-lusos, durante a retirada da III Invasão Francesa, teve outro desfecho trágico: perante a audaciosa fuga da guarnição francesa a coberto da noite, um tenente-coronel inglês, acusado de deleixo, acabou por se suicidar.
Já o cerco de Fuengirola foi o mais heróico, com algumas centenas de soldados polacos ao serviço de Napoleão a conseguirem derrotar um cerco de soldados e navios britânicos, com efectivos dez vezes mais numerosos conseguindo, inclusivamente, capturar o respectivo comandante (12 e 13 de Outubro de 1810).
O importante, concluiu António Ventura, "é aproveitar as celebrações dos 200 anos para estudar melhor a Guerra Peninsular e fazê-lo sem preconceitos nem visão unilateral".