Às seis da manhã, Don Harris, Troy Peterson e Donna Gray já trabalham no duro, pendurados em escadotes e com cordas à cintura, finalizando o telhado de uma habitação quase pronta a estrear. Há que dar tudo por tudo antes que o calor aperte.
Clique para aceder ao índice do DOSSIÊ KATRINA 2005/2010
Denise, a futura proprietária, nada e criada no estado do Mississipi, terá finalmente um lar ao fim de cinco anos a viver em tendas, barracas e roulottes - os tectos a que teve direito após a passagem destruidora do furacão Katrina, a 29 de Agosto de 2005.
Ela não sabe como agradecer e muito menos tem dinheiro para pagar. Por isso, todos os dias, ao final da manhã, entra numa cozinha improvisada e prepara o almoço para os trabalhadores. Segundo eles, nunca se esquece da sobremesa.
Lavados em lágrimas
"Estão todos muito agradecidos e dizem-no a toda a hora, sempre lavados em lágrimas. Tive uma velhota de 80 anos que todos os dias, às 14h, surgia à porta da barraca com a sua máquina de karaoke e começava a cantar para os trabalhadores. Era a sua forma de agradecer", recorda Don Harris, de 65 anos, que pela 13ª vez está nos arredores de Ocean Springs, Mississipi, a ajudar na reconstrução.
Este ex-professor de liceu fica hospedado em Camp Victor, um acampamento que, desde 2005, já acolheu mais de 15 mil pessoas. A 'missão' de Don começou há três anos, quando veio pela primeira vez e ficou "impressionado" com os níveis de destruição e miséria. O facto de morar a mais de 800 quilómetros de distância, na cidade de Nashville, no estado do Tennessee, não o desmotiva, mesmo sabendo que tem de conduzir mais de oito horas para lá chegar.
O que o furacão Katrina tirou há cinco anos, voluntários como Don Harris procuram restituir. Desde que as operações de reconstrução começaram no Mississipi e no Luisiana, mais de 650 mil pessoas vieram para ajudar. Ficam durante uma semana e regressam a casa. Das 200 mil casas destruídas durante a tragédia, restam cinco mil por reconstruir.
Aprender com o tempo
"Enquanto houver trabalho por fazer, continuaremos a vir até cá. Lembro-me da minha primeira viagem ao Luisiana e dos rostos de aflição. O meu coração sangrou", lembra Troy Harris, 44 anos, natural de Newfoundland, no estado de Pensilvânia.
De acordo com este construtor civil, há coisas que se aprendem com o tempo. "Por exemplo, aceitar tudo o que as pessoas nos dão. Se não o fizermos eles irão sentir-se num regime de caridade perpétuo, o que é mau para a autoestima".
"O fluxo de pequenos presentes é constante", diz Donna Gray, uma voluntária da Carolina do Norte, que passa a maior parte do tempo nas limpezas visto que não tem grande jeito para a construção.
Sem dinheiro para continuar
As doações abrandaram entretanto e Camp Victor luta para manter as portas abertas. O mesmo se passa com outros acampamentos na região.
"O Katrina passou há muito tempo, o interesse dos media acabou e a atenção das pessoas dispersou-se", afirma Harris. Arnie Fielkow, presidente da Assembleia Municipal de Nova Orleães considera que a comunidade tem uma enorme "dívida de gratidão" para com Camp Victor, mas a verdade é que com a passagem do tempo "é natural que o número de doações diminua e que por isso a vida destas organizações acabe.
"A maior homenagem que lhes podemos prestar é continuar a regenerar as nossas comunidades", diz o autarca, cuja entrevista o Expresso publicará no domingo.
Nota: O Expresso publica amanhã uma entrevista com Russel Honoré, o general que comandou as operações de socorro após a passagem do furacão Katrina. Até domingo, serão publicados textos e entrevistas exclusivos a propósito do 5.º aniversário da maior tragédia natural na história dos EUA.