As origens do terramoto e do maremoto que destruíram Lisboa e o Algarve há 250 anos continuam a ser um mistério, apesar dos avanços científicos alcançados, nomeadamente com as campanhas oceanográficas da década de 90.
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A resolução do enigma do epicentro de 1755 não é um capricho académico, um mero assunto de sismologia histórica, mas pode ter implicações na actualidade, porque só conhecendo melhor a região submarina entre o sudoeste da costa algarvia e o golfo de Cádis, onde tiveram origem quase todos os grandes sismos que abalaram Portugal nos últimos dois mil anos, se podem definir com segurança as políticas de prevenção e de protecção das populações.
A única certeza para uma boa parte dos cientistas é que a principal rotura que terá provocado a catástrofe se situou na Falha Marquês de Pombal, 100 quilómetros a oeste do cabo de São Vicente. E que o terramoto terá atingido a magnitude de 8,7 a 9 da Escala de Richter. A partir daqui os especialistas dividem-se.
Maria Ana Batista e Miguel Miranda são um casal de cientistas do Centro de Geofísica da Faculdade de Ciências de Lisboa que se tem destacado nesta área. Tal como o investigador italiano Nevio Zitellini, eles defendem "a conjugação da Falha Marquês de Pombal com as falhas do Banco do Guadalquivir, uma montanha submarina a sul de Faro, para explicar o que se passou em 1755", esclarece Maria Ana Batista. Miguel Miranda admite, no entanto, que "são necessários novos esforços para a identificação da fonte tectónica do terramoto de Lisboa, dirigidos a uma melhor compreensão dos movimentos da fronteira das placas Euroasiática e Africana na zona sul da Península Ibérica".
Outra tese aponta para a associação da Falha Marquês de Pombal com a Falha de Ferradura, localizada a 140 quilómetros a sul do cabo de São Vicente, para justificar a origem do maior desastre natural de sempre ocorrido em Portugal. Os seus mais conhecidos entusiastas são Luís Mendes Victor, António Ribeiro e Luís Matias, todos da Faculdade de Ciências de Lisboa. Luís Matias recorda que "a actividade sísmica da zona a sul do Algarve está ligada à colisão entre as placas tectónicas da Eurásia e de África, e a fronteira entre elas é complexa, se a compararmos com as de Sumatra ou da Califórnia. É por isso que a origem de 1755 ainda não está identificada". O especialista esclarece que "quando falamos do epicentro, referimo-nos ao ponto onde se inicia a rotura de uma placa tectónica, só que não é bem isso que nos interessa em relação a 1755, mas antes a estrutura de 200 quilómetros de extensão que teria de provocar um terramoto de grande magnitude".
A identificação dessa estrutura teve grandes avanços nos anos 90 com o projecto europeu GITEC, que juntou cientistas portugueses, italianos e franceses. Nessa altura concluiu-se que as falhas do Banco de Gorringe, uma grande montanha submarina 300 quilómetros a sudoeste do cabo de São Vicente, não podiam estar na origem da catástrofe como se supunha até então, apesar das suas grandes dimensões, porque se encontram demasiado longe da costa portuguesa, entrando em contradição com os relatos históricos existentes sobre o tempo de chegada do maremoto depois de sentido o terramoto. O GITEC desenvolveu também estudos geológicos sobre os depósitos sedimentares deixados pelo maremoto, e com base neles foi possível determinar a amplitude da sua onda, o tempo de chegada à costa e o sentido do primeiro movimento.
"A Falha Marquês de Pombal não tem 200 quilómetros mas apenas 60 quilómetros de extensão, sendo assim uma parte da solução, mas não a solução completa", argumenta Luís Matias, acrescentando que este é um debate que interessa ao grande público, "porque precisamos de saber onde teve origem 1755 para determinarmos a zona da fronteira de placas tectónicas ainda por romper, que poderá provocar grandes sismos no futuro".
E António Ribeiro considera que "há progressos a fazer nas áreas da geologia e da geofísica marinhas, através do estudo dos perfis de reflexão sísmica, da instalação de sismógrafos no fundo do mar para detectarem a actividade mais pequena, e da geodesia espacial, que analisa o movimento das placas tectónicas por GPS".
Mas há teorias bem diferentes que tentam explicar o desastre ocorrido há 250 anos. O debate chegou à revista "Science", onde o investigador francês Marc-André Gutscher defendeu em 2004 que o terramoto teria sido provocado pelo Arco de Gibraltar, na fronteira entre as placas Euroasiática e Africana. Esta formação tectónica começa na Cordilheira Bética (Andaluzia), atravessa o mar no Estreito de Gibraltar e termina no Rift, em Marrocos, estando a deslocar-se para oeste, como provam os dados científicos mais recentes.
E foi também na "Science" de 1 de Abril de 2005 que João Duarte Fonseca, investigador do Instituto Superior Técnico, publicou um artigo onde sugere a hipótese de uma rotura múltipla no oceano Atlântico (a oeste ou sudoeste do cabo de São Vicente) e no Vale do Tejo para explicar o efeito destrutivo do terramoto em Lisboa. Sendo assim, em 1755 teriam ocorrido dois sismos e não um. Nesse artigo, João Fonseca observa que "o leque de regiões já propostas para a localização do epicentro do terramoto de 1755 estende-se por 600 quilómetros, o que constitui uma surpreendente incerteza, tendo em conta que os danos que o fenómeno causou estão bem documentados". O cientista insiste que "não está a ser dada suficiente atenção às falhas activas em terra no território nacional para encontrar as fontes do sismo de 1755". E adianta que "as falhas geológicas interagem umas com as outras, mesmo quando estão a centenas de quilómetros de distância, e por isso não podem ser analisadas isoladamente".
Pedro Terrinha, do Laboratório de Tectónica Experimental da Faculdade de Ciências de Lisboa, acha que "neste momento é muito difícil chegar-se a um consenso nos meios científicos sobre as origens de 1755, porque os dados com que se joga já estão conhecidos e explorados. Além do mais, são dados essencialmente históricos e não experimentais". O geólogo lembra que "há largas dezenas de grupos de investigadores por esse mundo fora a estudar o terramoto, e mesmo os espanhóis têm formulado diversas hipóteses para explicar a sua origem".
Texto publicado na edição do Expresso de 22 de Outubro de 2005
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