ARQUIVO Sismos em Portugal

"Não estamos preparados para um terramoto semelhante ao de 1755"

Luís Mendes Victor preside à conferência internacional sobre "Os 250 anos do Terramoto de 1755", que vai reunir no Centro Cultural de Belém e na Reitoria da Universidade de Lisboa grandes nomes da sismologia mundial. Clique para visitar o dossiê Sismos em Portugal

Virgílio Azevedo (www.expresso.pt)

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Qual é a sua posição sobre as origens do Terramoto de 1755? Não estou a ver como se pode discutir 1755 apenas com base na rotura principal, que ocorreu na Falha Marquês de Pombal, a oeste do Cabo de S. Vicente. Esta tem entre 50km a 100km, o que significa que é necessário adicionar-lhe outras falhas para chegarmos aos 200km, a extensão que faz sentido para um sismo com aquelas características.

E onde estão essas falhas? Inclino-me para que seja na zona da Falha da Ferradura, a sudoeste do Algarve, mas falta provar esta tese com trabalhos geológicos que façam a datação de sedimentos marinhos e determinem a sua extensão, e com trabalhos de pesquisa sísmica. Claro que não temos garantias de que a estrutura a pesquisar tenha uma configuração profunda como a Falha Marquês de Pombal.

Há dinheiro para levar a cabo estes trabalhos? Não tem havido financiamento nem oportunidade para os fazer, a nível nacional ou no âmbito da União Europeia. O navio oceanográfico D. Carlos I não está preparado para isso, apenas o Gago Coutinho, depois de estar concluído o projecto de adaptação em curso. Isto significa que é preciso contratar meios fora do país, e não há muitos navios estrangeiros preparados para tal.

As incertezas sobre 1755 influenciam as políticas de prevenção do risco sísmico em Portugal? O que já sabemos chega para definir uma política de prevenção e para estabelecer regulamentos anti-sísmicos eficazes na construção. Neste perspectiva, é fundamental que estes regulamentos sejam cumpridos, porque o desordenamento do território nacional é total. Veja-se o que se passa no litoral algarvio...

Estamos preparados para um sismo semelhante ao de há 250 anos? É claro que não. Repare que não temos uma política de ordenamento adequada nas zonas mais vulneráveis do litoral. Edifica-se à beira-mar e as directivas europeias no sentido de não se construir a menos de 100 metros da costa não são aplicadas. A situação é muito preocupante, em particular no Algarve, uma região pouco povoada há 250 anos mas que hoje tem densidades elevadas. E mesmo assim, o grau de destruição provocado pelo sismo de 1755 foi grande em cidades como Lagos.

O que falta então fazer no nosso país para minimizar os riscos de um grande terramoto e de um tsunami? É necessário instalar equipamentos de monitorização no mar e em terra suficientes para uma análise científica da cadência dos terramotos e das tendências de acumulação de tensões nas principais falhas. As regiões prioritárias são o Vale do Tejo, que necessita de uma rede de monitorização densa, e a zona a sudoeste do Cabo de S. Vicente.

E bastam os equipamentos? Não, precisamos também de pessoal habilitado para os utilizar, mas em Portugal há carências importantes nesta matéria. É verdade que as nossas universidades têm capacidade para formar pessoal de geofísica, mas não existem oportunidades nesta área e há mesmo doutorados no desemprego. Tem de haver, nomeadamente, uma abertura do Instituto de Meteorologia, onde não há vagas nos quadros, e uma ligação forte entre este e as instituições científicas.

Tem estado empenhado no estudo do risco sísmico no centro histórico de Lagos... O estudo de vulnerabilidade está terminado e será publicado em breve. Depois vai ser definida uma política de reabilitação (40% das habitações estão abandonadas), de circulação do trânsito e de promoção de uma cultura de risco. Lagos tem condições para ser o segundo concelho do país a ter um plano de emergência sísmica, depois de Lisboa.

Considera que existe uma falta de acesso da população em geral à informação sobre os sismos? Sem dúvida, porque não há uma política de divulgação da cultura de risco. O papel dos media é fundamental, mas não vejo essa preocupação no poder central e nas autarquias, apesar das acções de sensibilização que continuam a desenvolver-se nas escolas.

O que aconteceu à proposta que fez em 2002 à Comissão Europeia de desenvolvimento de um projecto relacionado com os tsunamis? Nessa altura a Comissão pediu-me para organizar em Lagos um encontro internacional relacionado com a matéria, de onde saíu a ideia de lançar um projecto europeu de investigação nesta área. Mas Bruxelas não o considerou prioritário. Só que depois da catástrofe de Sumatra, em Dezembro de 2004, tudo mudou e o projecto foi recuperado, decorrendo neste momento reuniões preparatórias para o relançar.

Que objectivos tem esse projecto? Destina-se a instalar no litoral Sul da Europa e no Nordeste do Atlântico um sistema para estudar os tsunamis e a actividade sísmica em geral. Claro que se trata apenas de um projecto de investigação, o que significa que são os seus resultados e a concretização de medidas de carácter científico que poderão depois influenciar os poderes políticos a tomarem decisões concretas no campo da prevenção e da Protecção Civil. No fundo, Bruxelas paga a investigação e o resto cabe a cada Estado-membro da EU.

Texto publicado na edição do Expresso de 22 de Outubro de 2005