Portugal é um país de risco sísmico moderado, classificação que lhe traz um problema: a memória colectiva das grandes catástrofes é fraca porque a probabilidade da sua ocorrência é historicamente baixa, ao contrário do que acontece noutros países da Europa do Sul como a Itália, a Grécia ou a Turquia.
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Os grandes terramotos e maremotos estão afastados das preocupações da população, passam-se sempre bem longe no espaço e no tempo, e este alheamento faz com que a opinião pública não pressione as autoridades para darem prioridade a estas questões.
"O poder político é menos sensível em relação ao problema porque os sismos mais fortes ocorrem em Portugal com um período de retorno muito grande", justifica Isabel Pais, dirigente da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES). E como sublinha António Ribeiro, professor catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa, "o sismo de 1755 teve um impacto global em termos físicos, geológicos e culturais, mas não no cidadão comum, ao contrário do que se passou com o desastre de Sumatra de 26 de Dezembro de 2004".
A emergência sísmica "deveria ter o mesmo tratamento dos estudos de Impacto Ambiental ou da discussão dos PDM (Planos Directores Municipais)", propõe entretanto Miguel Miranda. O coordenador do Centro de Geofísica da Faculdade de Ciências de Lisboa salienta que "essa forma aberta e transparente de tratar o assunto passaria por um processo de consulta pública, pelo debate com as populações e os especialistas que realizaram os estudos e, finalmente, pela produção de documentos definitivos". Assim, colocavam-se os cidadãos "do lado de quem pretende resolver o problema do risco sísmico".
Este risco tem várias componentes que são objecto de estudo: as fontes dos sismos, os efeitos locais no solo e o comportamento das construções, um tema do domínio da engenharia sísmica. "Mas tem havido timidez de quase todas as instituições relacionadas com a segurança das populações na divulgação pública destes estudos e na sua realização sistemática, embora eles tenham implicações no valor dos seguros e da construção", critica o cientista. E dá um exemplo: "Se o Plano de Emergência para o Risco Sísmico de Lisboa, o único do país, fosse divulgado ao público, era corrigido, porque tem erros, convergindo num formato aceite por todos e gerando um efeito de imitação no outros concelhos".
Em todo o caso, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) está a reforçar a componente do risco sísmico no processo de revisão do PDM, integrando no documento a carta de vulnerabilidade sísmica dos solos e condicionantes nas intervenções nos edifícios existentes, nas novas construções e na rede viária. E a cultura de risco começa a marcar o planeamento estratégico da capital. Teresa Craveiro, directora do departamento municipal responsável por esta área, afirma que "a CML está a apostar no reforço das construções nos bairros com vulnerabilidades sísmicas e a conter a construção nova na periferia da cidade, de tal modo que 60% dos pedidos de licenciamento actuais se destinam à reabilitação, contra uma média europeia de 33%".
O nosso país tem uma das legislações anti-sísmicas mais avançadas da Europa, que data de 1983, "mas na reabilitação das construções antigas há um vazio legal", observa Carlos Oliveira. O presidente do Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico (IST) acrescenta que "as câmaras querem controlar a reabilitação mas não sabem como e cada uma fá-lo à sua maneira". E Mário Lopes, professor do mesmo departamento ligado à engenharia sísmica, reconhece que "a reabilitação é mais difícil que a obra nova e o número de intervenientes é muito grande, o que torna o processo complexo, mas é necessário sensibilizar a opinião pública para os problemas de vulnerabilidade sísmica que lhe estão associados". De facto, na recuperação e remodelação dos edifícios antigos "não se respeitam os materiais originais e fragilizam-se constantemente as estruturas, eliminando pilares e paredes, ou cortando as barras de madeira nas construções em gaiola, o que é preocupante para a segurança dos moradores", denuncia Isabel Pais, da SPES.
Só que os problemas não se resumem às casas antigas, mas também às novas. "Quando os portugueses compram uma casa nova partem do princípio que estão 100% seguros, não se preocupam com a parte estrutural, mas a realidade é bem diferente, porque a fiscalização é feita um pouco ad hoc, tanto a nível do projecto como da obra, bastanto uma simples declaração do projectista a dizer que cumpre a legislação anti-sísmica para o projecto ser aprovado", prossegue Carlos Oliveira, constatando que as câmaras "não têm organização nem técnicos suficientes para fazer uma fiscalização adequada".
Como recorda Mário Lopes, "o acréscimo de custo de um edifício calculado e construído com qualidade relativamente a outro com fraca resistência sísmica é baixo - 2% a 3% a mais, na maioria dos casos -, mas em Portugal não há motivação para enfrentar o problema sísmico de forma preventiva, porque a opinião pública o conhece mal e não está informada sobre as capacidades da engenharia para o resolver".
Há duas datas importantes que devemos ter em conta, sempre que queremos saber da vulnerabilidade da casa onde moramos a um terramoto: 1958, ano a partir do qual a construção dos edifícios passou a obedecer à primeira legislação anti-sísmica nacional; e 1983, ano da legislação actualmente em vigor. Em ambos os casos há que acrescentar dois anos - o período de tempo médio entre a publicação das leis e a conclusão das primeiras habitações. Depois, basta analisar as cinco tipologias construtivas, que já se encontram bem detalhadas para a cidade de Lisboa, embora possam também servir de referência para a Área Metropolitana da capital e para outras regiões do país.
A estrutura em gaiola que caracteriza a construção pombalina é uma das garantias de protecção face à ocorrência de um grande abalo sísmico. Mas esta estrutura degradou-se no final do século XIX e na primeira metade do século XX, de tal maneira que há edifícios em alvenaria desta época que têm colapsado naturalmente, mesmo sem um terramoto, em especial na cidade de Lisboa. Na década de 50, antes da entrada em vigor da primeira legislação anti-sísmica, a segurança da construção aumentou devido ao uso de alguns elementos em betão armado, mas foi contrariada pela deficiente organização estrutural (vigas apoiadas em vigas, assimetrias na localização dos pilares) e pela fraca resistência mecânica dos betões. "Note-se que na metade do país com maior risco sísmico (o Sul), cerca de 1/3 da população vive em casas construídas sem a preocupação de lhes conferir resistência sísmica. Isto corresponde a 1,5 milhões de pessoas, das quais 2/3 na Área Metropolitana de Lisboa e no Vale do Tejo", calcula Mário Lopes.
Perante este panorama preocupante em todo o país, o que está a fazer a Protecção Civil? "Consideramos duas zonas prioritárias: a Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o Algarve", esclarece Manuel João Ribeiro. O presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil acrescenta que "o Plano de Emergência Sísmico para a AML está em fase de conclusão, e quanto ao Algarve os estudos estão parados por falta de financiamento". O responsável considera fundamental "a participação dos municípios neste processo, porque eles não são apenas os destinatários mas também os protagonistas", bem como "informar as populações e formar agentes da Protecção Civil".
As escolas são uma das prioridades e vai avançar em breve um projecto-piloto para servir de modelo ao Plano de Emergência. Na cidade de Lisboa, a Protecção Civil municipal continua a apostar nas campanhas de informação e no projecto educativo Crescer na Segurança, que é visitado por mais de dez mil crianças por ano.
Quanto aos maremotos, a prevenção só agora começa a dar os primeiros passos. A proposta de criação de um Sistema de Alerta e Aviso (SAAT) está em estudo, mas tudo depende das iniciativas que a UE está a preparar nesta matéria. "Nas infra-estruturas estamos bastante mal, porque temos apenas um marégrafo em Cascais e outro em Lagos, e a nossa rede sísmica é insuficiente", refere Maria Ana Batista, especialista em tsunamis do Centro de Geofísica. "Um Sistema de Alerta Precoce seria o ideal, porque a fonte dos grandes sismos geradores de tsunamis em Portugal está muito próxima, podendo estes demorar apenas 15 minutos a chegar ao Algarve e 30 minutos a Lisboa".
Texto publicado na edição do Expresso de 22 de Outubro de 2005