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“Quando a realidade é chocante, dificilmente a fotografia não será”

Era uma família jovem que vivia com dez dólares por mês no bairro de Altavista, numa El Salvador dominada por gangues. A mãe nadou de volta ao México quando a corrente mudou, mas o pai e a pequena Valeria insistiram no sonho. A fotografia dos seus corpos inertes mas ainda abraçados à margem do rio que separa os Estados Unidos do México voltou a enraivecer toda a gente - e é para isso mesmo que o fotojornalismo serve

Uma criança espera na fronteira dos Estados Unidos com o México no pico da crise migratória de 2018. Muitas foram separadas dos seus pais e estão agora em lugares sem condições
John Moore/Getty

Mantinha-a revestida da sua própria t-shirt para evitar que lhe escorregasse na travessia, que caísse na água e fosse levada pela corrente. Óscar Alberto Martínez Ramírez e Valeria, a sua filha de um ano e 11 meses, morreram este domingo quando tentavam atravessar o rio Bravo que separa Ciudad Juárez, no México, de El Paso, nos Estados Unidos: a última barreira entre o drama e o sonho. Foram encontrados ainda unidos por esse mesmo pedaço de tecido negro, Valeria ainda com um dos braços por cima do pai. Em poucas horas a fotografia tinha exasperado o mundo - e as consequências bem reais desta captura de um desespero que esta imagem torna mundial.

A jovem família, originalmente de El Salvador, tinha chegado à cidade fronteiriça de Matamoros no fim-de-semana passado, com esperanças de pedir asilo nos Estados Unidos. Mas a ponte internacional estaria encerrada até segunda-feira, disseram-lhes os guardas. Olharam o rio, as águas até pareciam calmas. Segundo o que a mãe da pequena Valeria, Tania Vanessa Ávalos, contou às autoridades depois de saber da terrível notícia, a família lançou-se ao rio domingo à tarde só que, a meio da travessia, Óscar, com a filha sobre os ombros, começou a acusar cansaço. Tania nadou de volta à margem mexicana. Virou-se e já só viu Óscar e Valeria arrastados pela corrente, já muito perto da margem norte-americana de um rio que em meia hora passou de esperança a carrasco. Nesse mesmo domingo mais dois bebés, uma criança e uma mulher morreram no Vale do Rio Grande. Uma outra criança foi encontrada morta no deserto do Arizona no início deste mês e segundo os números recolhidos por Jason de León, antropologista da Universidade de Michigan, por cada pessoa que as autoridades de patrulha de fronteira recuperam pelos menos outras cinco pessoas desaparecem - mas o número pode ir até dez, disse de León ao “New York Times”. Ora, a polícia recolhe 375 corpos por ano, mais do que um por dia. Acreditando nas piores previsões do professor, podem estar a morrer quase quatro mil pessoas por ano na tentativa de chegar aos Estados Unidos.

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