Há onze meses que decorrem os vários episódios à volta da mudança da administração da Caixa Geral de Depósitos. Foi em meados de março do ano passado, há quase um ano, que António Domingues foi abordado pela primeira vez pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. E é precisamente à volta do que aconteceu nesses primeiros contactos que hoje se volta a centrar a polémica, depois de terem sido conhecidas comunicações entre António Domingues a Mário Centeno: que compromissos assumiram as Finanças com o ex-administrador? É a pergunta que volta a ser feita.
Entre abril e outubro do ano passado, a discussão focou-se primeiro no número de 19 administradores proposto pelo Governo e chumbado pelo Banco Central Europeu. A conversa subiu de tom quando foi feita uma alteração ao Estatuto do Gestor Público, permitindo um regime de exceção aos gestores da Caixa. O fim dos tetos salariais foi o primeiro problema.
Já no final de outubro, a polémica centrou-se noutra questão: a possibilidade de a administração de António Domingues não entregar as declarações de rendimentos e património junto do Tribunal Constitucional. Em novembro, o então presidente da CGD apresentou a demissão e Paulo Macedo, ex-ministro social-democrata, assumiu o cargo.
Desde a semana passada, as atenções focaram-se na descoberta do que realmente foi acertado por Mário Centeno com António Domingues como condições para que aceitasse o cargo.
19 de março de 2016 É o dia em que António Domingues é abordado pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, para o convidar a liderar o banco público. Foi Domingues quem mais tarde prestou essa informação, durante a comissão parlamentar de inquérito à Caixa na Assembleia da República.
15 de abril de 2016 É conhecido publicamente o nome de António Domingues para presidente da administração da Caixa Geral de Depósitos, noticiou então o Expresso. Domingues era administrador do BPI e foi escolhido pelo Governo para substituir José de Matos, cujo mandato terminou em 2015.
16 de abril de 2016 António Domingues confirma a sua disponibilidade para o cargo.
3 de junho de 2016 São anunciados os 19 nomes para a administração da Caixa Geral de Depósitos.
8 de junho de 2016 Governo aprova em Conselho de Ministros o fim dos tetos salariais dos gestores da Caixa. Em causa estava uma alteração ao Estatuto do Gestor Público que em janeiro de 2012 tinha indexado os salários dos administradores ao salário do primeiro-ministro. Esta alteração seria uma das condições estabelecidas para a aprovação da nova administração.
9 de junho de 2016 Mário Centeno confirma que o fim da aplicação do estatuto de gestor público era “apenas o primeiro passo de um conjunto de alterações que o Governo tem programado” para a capitalização da Caixa Geral de Depósitos.
21 de junho de 2016 Data da promulgação do decreto-lei de alteração do estatuto do gestor público pelo Presidente da República, segundo avançou Marques Mendes a 8 de fevereiro, durante o seu comentário na SIC.
23 de junho de 2016 Governo ordena auditoria forense à gestão da Caixa Geral de Depósitos desde 2000.
27 de junho de 2016 Aprovação da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito à Capitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco
30 de junho de 2016 Marcelo Rebelo de Sousa divulga nota no site da Presidência da República a explicar as razões que o levaram a promulgar o fim dos limites salariais da administração da Caixa. Marcelo justificava a sua decisão sob pena de “a não promulgação equivaler à não entrada em funções do novo Conselho de Administração, com o agravamento do risco de paralisia da instituição”.
5 de julho de 2016 Tomada de posse da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos na Assembleia da República, presidida pelo deputado do PSD José Matos Correia.
27 de julho de 2016 Mário Centeno pede à anterior administração da Caixa que prolongue as suas funções até 31 de agosto.
28 de julho de 2016 Publicação em Diário da República do decreto-lei de alteração do estatuto do gestor público.
13 de agosto de 2016 É conhecida a resposta do BCE (Banco Central Europeu) em relação à proposta feita pelo Governo. É rejeitado o número de 19 administradores da CGD, sendo imposto um limite máximo de 11.
17 de agosto de 2016 BCE chumba alguns nomes da nova administração e impõe que três frequentem curso de Gestão Bancária Estratégica.
24 de agosto de 2016 Data prevista para a tomada de posse da nova administração de António Domingues, segundo avança o jornal “Público”. Contudo, o mandato da administração então em funções é prolongado até dia 31 de agosto, a pedido de Mário Centeno.
31 de agosto de 2016 António Domingues inicia funções na CGD.
21 de setembro de 2016 É discutida a apreciação parlamentar das alterações do Estatuto do Gestor Público, a pedido do PSD e CDS de maneira a repor tetos para o salário destes gestores. A reposição não foi aprovada porque PCP e BE queriam limites ainda mais apertados.
23 de outubro de 2016 Surge a polémica da entrega das declarações de rendimentos. Marques Mendes diz que foi aberto outro regime de exceção para a CGD, ao tornar possível que os gestores da CGD não sejam obrigados a apresentar declarações de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Marques Mendes questiona se foi “um lapso”.
25 de outubro de 2016 “Não foi lapso”, responde o Ministério das Finanças, confirmando ter conhecimento de que os gestores da Caixa não teriam de apresentar as suas declarações. Em comunicado, disse ainda que “os corpos dirigentes da CGD têm que prestar contas ao acionista e aos órgãos de controlo interno” e “estão disponíveis para revelar essa informação ao acionista”.
26 de outubro de 2016 O secretário de Estado Mourinho Félix afirma ao “Diário de Notícias” que a lei de 1983 poderá impor a obrigação de entrega das declarações. “Se eles [os novos administradores da CGD] tiverem de entregar de acordo com essa lei então terão de entregar”, concluiu ao DN.
2 de novembro de 2016 É levantada a possibilidade de a administração da Caixa entregar as declarações mas pedir ao TC que seja mantido sigilo sobre as mesmas, numa altura em que começam a surgir ameaças de demissão dentro da nova equipa de gestores, segundo avançou então o “Jornal de Negócios”.
15 de novembro de 2016 António Domingues envia carta a Mário Centeno, ministro das Finanças, fazendo referência à não entrega das declarações como “uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais”. Esta carta viria a ser divulgada a 8 de fevereiro pelo jornal “Eco”, quase quatro meses depois.
18 de novembro de 2016 Mário Centeno é questionado sobre se existiu ou não um compromisso escrito entre o Governo e António Domingues permitindo que a administração não tivesse de entregar as declarações. Foi evasivo, dizendo que “o único compromisso” do Governo em relação à CGD “é o de que se manterá um banco público”.
24 de novembro de 2016 É aprovada no Parlamento uma alteração apresentada pelo PSD no âmbito do Orçamento do Estado para que os administradores da Caixa sejam obrigados a apresentar as suas declarações, ao obrigar que os administradores de instituições de créditos do sector empresarial do Estado continuem a ser abrangidos pelo Estatuto do Gestor Público. PSD, BE e CDS votam juntos a favor, PCP e PS votam contra.
27 de novembro de 2016 António Domingues demite-se da administração da CGD. A saída ocorre numa altura em que se esperava que os administradores da Caixa entregassem as suas declarações de rendimentos junto do Tribunal Constitucional.
28 de novembro de 2016 António Domingues entrega no Tribunal Constitucional a declaração de rendimentos já depois da sua demissão.
1 de dezembro de 2016 Paulo Macedo, ex-ministro da Saúde do anterior Governo, é anunciado como próximo presidente da CGD.
4 de janeiro de 2017 António Domingues é ouvido na Comissão de Finanças na Assembleia da República. Questionado sobre se todas as condições que impôs estavam garantidas pelo Governo, respondeu: “Para mim, estavam”. “Mas, depois, o Governo deixou de ter condições políticas para mantê-las”, acrescentou. “Com as novas condições, pareceu-me melhor para mim que o Governo rapidamente montasse o plano B”.
13 de janeiro de 2017 Em resposta a um requerimento feito pelo CDS em novembro, pedindo toda a correspondência trocada entre António Domingues e Mário Centeno desde dia 20 de março, o ministério das Finanças respondeu que “inexistem trocas de correspondência com as características descritas”.
8 de fevereiro de 2017 O jornal “Eco” divulga uma carta de António Domingues a Mário Centeno com referência a negociações anteriores com o ministro das Finanças. E o CDS acusa o ministro de ter mentido à comissão parlamentar de inquérito.
9 de fevereiro de 2017 Mário Centeno repudiou as acusações do CDS, acusando o partido de uma “vil tentativa de assassinato” do seu caráter. Marcelo defende Centeno e nota que não há prova de acordo.
10 de fevereiro de 2017 CDS anuncia que vai pedir os SMS trocados entre Centeno e Domingues.
12 de fevereiro de 2017 Marques Mendes acusa o Governo de ter manipulado a data da publicação do decreto-lei que tirava a CGD do estatuto do gestor público. António Costa reage a essa acusação explicando que a demora na publicação do diploma em “Diário da República” teve a ver com a necessidade de concluir negociações com a Comissão Europeia.
13 de fevereiro de 2017 O PSD apresenta quatro perguntas a António Domingues para saber se o ex-administrador acordou ou não a alteração ao estatuto do gestor público com Centeno e se teve alguma conversa sobre o assunto com António Costa. António Costa responde a Marques Mendes e diz que se trata de "ficção". Mário Centeno faz uma conferência de imprensa depois de ter ido a Belém conversar com Marcelo Rebelo de Sousa, a pedido do Presidente. Nega acordo com Domingues para travar entrega de declarações de rendimentos ao TC e revela que pôs o lugar à disposição do primeiro-ministro. António Costa, em comunicado, mantém confiança no ministro. Ao fim da noite, em comunicado, Marcelo diz ter concordado com manutenção de Centeno no cargo em nome do "estrito interesse nacional".
14 de fevereiro de 2017 PS reage com indignação ao comunicado do Presidente, considerando que menoriza o ministro das Finanças. BE e PCP distanciam-se das explicações de Centeno. CDS promete apurar no Parlamento "erros de perceção" do acordo feito com Domingues. PSD anuncia que quer ter acesso a SMS trocados entre ministro e ex-presidente da CGD.