Era o início de outubro de 1990 e, junto à janela do primeiro andar de um pequeno café da Rue du Bac, em Paris, com os pés descontraidamente pousados sobre a cadeira da frente, Tom Waits discursava acerca do motivo que o conduzira à capital francesa: a apresentação, no Théâtre du Châtelet, da ópera “The Black Rider”, que escrevera com William Burroughs e Robert Wilson. De súbito, lá em baixo, na rua, a figura de Kathleen Brennan — cocompositora, companheira e força da ordem no mundo de Waits —, saída do hotel em frente, surge gesticulando para ele. Como quem faz apenas uma pausa para logo a seguir continuar o que ficara suspenso, qual ditador benévolo, Tom Waits diz-me: “Faça-me a próxima pergunta, deixe o gravador aqui e, por favor, vá até à rua para saber o que ela quer.” Qual pombo-correio, cumpri a missão em cinco minutos. Mais tarde, verificaria que ele fora também fiel ao compromisso, falando ininterruptamente durante todo o tempo. Apenas mais uma prova de que, pelo menos tão fascinante como a sua obra musical, Tom Waits em discurso direto é invariavelmente muito melhor do que qualquer tentativa de o caracterizar.
E ele terá também tanta consciência disso que, em 2008, enviaria para a Anti Records um texto promocional constituído por uma entrevista que fizera a si mesmo. A introdução era esclarecedora: “Tenho de reconhecer que, antes de me encontrar com o Tom, tinha ouvido tantos boatos e rumores que estava com algum medo. As dívidas de jogo, o magnetismo animal, o desprezo pelos sentimentos dos outros... a requintada coleção de armas, a fúria consumista, as operações plásticas, as estâncias de esqui, as rusgas por posse de drogas, as centenas de quartos da sua mansão... Estava nervoso por ir encontrá-lo. Mas acabei por achá-lo amável, inteligente, aberto, brilhante, disponível, bem-humorado, bravo, audacioso, loquaz, asseado e reverente. Na verdade, um autêntico escuteiro e um grande homem. Acompanhem-me agora numa olhadela ao coração de Tom Waits. Descalcem os sapatos, e é proibido fumar.”