A vigilância do Estado chinês sobre os seus cidadãos é uma das grandes histórias do nosso tempo e um duplo aviso — sobre os riscos da tecnologia e sobre a fragilidade das democracias. O que distingue o sistema chinês é, por um lado, o volume de dados processados e, por outro, a sua utilização para controlar os cidadãos a um nível inédito. Como a China já representa uma parte substancial da economia global e as suas tecnologias de vigilância são exportadas para outros países (o Uganda é caso de estudo neste livro), a consciência do que se lá se passa faz parte da educação cívica contemporânea. Josh Chin e Liza Lin, repórteres do “Wall Street Journal”, desembaraçam-se muito bem da tarefa.
O seu foco são dois lugares situados em extremos opostos do território chinês. Um é Xinjiang, a região ocidental, onde o Governo leva a cabo um esforço brutal para eliminar a identidade muçulmana. A “política étnica de segunda geração” passa por repressão diária e campos de “reeducação”, mas também pela aposição de códigos QR a objetos improváveis como facas de cozinha. A omnipresença de câmaras é só o sinal visível de um sistema apostado em antecipar as ações dos cidadãos. Da distopia à utopia, o outro lado do sistema vê-se na próspera cidade de Hangzhou, onde a tecnologia foi usada para criar a plataforma Cérebro da Cidade, que facilita a vida das pessoas em aspetos diversos, como a passagem dos semáforos a verde quando passa uma ambulância ou a deteção de pilhas de lixo. A colaboração do sector privado em tudo isto tem um lado embaraçoso, sobretudo para empresas americanas e europeias. “O mundo ocidental de negócios”, notam os autores, “tem sido o parceiro do estado de vigilância do partido desde o seu início embrionário no final dos anos 90” — ou seja, nos anos seguintes a Tiananmen. Para iludir as críticas, empresas como a Intel “refugiam-se cada vez mais na complexidade”, alegando não poder saber para que fins serão empregues as suas tecnologias…