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A história intelectual russa revela-se em “Lenine Foi à Lua”, Michel Eltchaninoff

Em “Lenine Foi à Lua”, Michel Eltchaninoff revela-nos um filão bastante rico da história intelectual russa, traçando a evolução do cosmismo desde as origens até às suas versões contemporâneas, na Rússia e não só

Michel Eltchaninoff, que tinha escrito sobre a mente de Putin, regressa com um tratado sobre a história intelectual russa
Stephane GRANGIER/Corbis via Getty Images

Há um sabor particular em Dostoievski, que se deteta à primeira leitura adolescente de um autor onde convivem extremos do sublime e da sordidez, podendo a mesma personagem passar de um à outra num instante. Até por isso faz sentido que Dostoievski tivesse ligações à ideologia de que trata este livro. “Lenine foi à Lua”, escrito por um autor que antes nos deu um estudo sobre a mente de Vladimir Putin, fala do cosmismo, uma filosofia que floresceu entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XXI, tendo repercussões até hoje dentro e fora da Rússia. (Silicon Valley é um lugar onde vamos descobrir, transfigurados, mas reconhecíveis, alguns dos seus restos.) Aliava elementos de natureza científica e pseudocientífica a considerações sobre o futuro e a missão da raça humana, e a projetos de salvação que passam por coisas tão diversas como a imortalidade humana e o povoamento do cosmos.

Parece mais ou menos evidente a relação entre o cosmismo e dois factos básicos da identidade russa — a extraordinária dimensão do país, com vastas áreas inexploradas, e o desejo de ver a Rússia como portadora de uma mensagem especial para o mundo, em representação da humanidade. Vários pioneiros do cosmismo foram influenciados por escritores como Júlio Verne e H.G. Wells, e a noção de que se aproximavam enormes saltos tecnológicos e sociais estava sempre presente. Um aspeto fascinante da história, não raro surpreendente para um leitor ocidental, é até que ponto, nas mesmas pessoas, ideias místicas e utópicas iam a par de contribuições científicas reais – por exemplo, no desenvolvimento da ciência dos foguetões e do conceito de biosfera.