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Eduardo Gageiro (1935-2025): “Só não vou com a máquina para o caixão’’, disse-nos em grande entrevista em 2017

Revelou o Portugal de Salazar, esteve na linha da frente do 25 de Abril e registou o atentado nos Jogos Olímpicos de Munique,
em 1972. Eduardo Gageiro morreu esta quarta-feira, 4 de junho, aos 90 anos. Recuperamos a grande entrevista de 2017 com o homem que gostaria de ser recordado como “um rapaz de Sacavém que procurou denunciar as injustiças sociais e que vai morrer vertical”


José Caria

Entrevista originalmente publicada a 29 de julho de 2017

Conta a sua história e as histórias do país que documenta desde os 12 anos, quando tomou de empréstimo uma máquina de plástico do irmão. Quis ser fotojornalista para mudar o mundo e denunciar as injustiças sociais. Numa época em que ser fotógrafo de jornais era tantas vezes ser um mero ‘bate-chapas’ do sistema, arriscou ir além e revelar bem mais do que o regime de Salazar queria. Aquele que já foi considerado o fotógrafo do povo e da revolução faz agora contas à vida, à doença e à solidão.

O que o leva, aos 82 anos, a sair todos os dias de casa com a máquina fotográfica ao ombro?
Um fotojornalista deve estar todos os dias atento ao mundo que o rodeia. Ando sempre com uma máquina, porque há sempre qualquer coisa que me sensibiliza, justa ou injusta, e eu disparo.

Começou a fotografar aos 12 anos com uma máquina fotográfica de plástico do seu irmão. Mas o seu pai tinha outros sonhos para si.
Nessa altura tinha parado os estudos na quarta classe, o meu pai não me deixou ir para o liceu. Eu queria saber mais. Mas ele disse-me “tu vais para a fábrica de loiça porque aí é que está o teu futuro”. Então eu fui muito triste trabalhar para a fábrica de loiça de Sacavém. Comecei como paquete. Andava de secção em secção, o que foi ótimo, porque convivi intensamente com os operários e com grandes artistas, pintores e escultores, que gostaram de mim e deixavam-me lá estar a vê-los a desenhar.

Na verdade estava lá contrariado...
Sim, mas passado pouco tempo comecei a sentir-me como peixe na água. Até porque andava sempre acompanhado da tal máquina de plástico do meu irmão, uma Kodak Baby, que ainda tenho comigo.

Essa máquina era mais do que um brinquedo. O que o atraía tanto nela?
Pensava que poderia virar o mundo do avesso com as minhas fotografias. E desde aí nunca mais parei de querer denunciar as injustiças.