No início dos anos 1950 os fanáticos da ópera dividiam-se em dois batalhões: os adeptos de Renata Tebaldi, dona da ‘voz de anjo’ (no dizer do maestro Arturo Toscanini), e os furiosos de Maria Meneghini Callas com uma voz de ‘perfeita imperfeição’. A batalha travava-se também entre as principais casas editoras: a DECCA, com a Tebaldi; a His Master’s Voice/EMI, com a Callas. Jovem adolescente e melómano desde os cinco anos, já tinha a primeira gravação da “Aida” (1952), de Verdi, pela Tebaldi (com Mario del Monaco e Ebe Stignani), e a gravação do “Rigoletto” (1955), também de Verdi, pela Callas (com Giuseppe di Stefano e Tito Gobbi). Nas duas décadas seguintes nunca mais comprei outra gravação da Tebaldi, mas adquiri todas as gravações da Callas, oficiais ou ‘piratas’ (como então se dizia). Ouvir Tebaldi, era experimentar a perfeição vocal; ouvir a Callas, era vislumbrar os desafios e mágoas da vida (por vezes, também, as suas graças). Percebi então que a perfeição é chata — uma lição que me ficou para a vida. A perfeição só funciona se for temperada com uma pitada de asperezas. Quanto à experiência do sublime, o segredo está no perigo. Tebaldi era perfeita; Callas era sublime. Americana de nascimento, grega de coração, italiana de vocação e francesa de residência, Maria Callas foi idolatrada e vilipendiada em todo o mundo (por razões que adiante se discutirão).
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Centenário de Maria Callas, a mulher que morreu três vezes
No início dos anos 50, os fanáticos da ópera dividiam-se entre os adeptos de Renata Tebaldi, ‘voz de anjo’, e os furiosos de Maria Meneghini Callas, voz de ‘perfeita imperfeição’. O segredo está no perigo: Tebaldi era perfeita, mas Callas era sublime. Americana de nascimento, grega de coração, italiana de vocação e francesa de residência, Callas foi idolatrada e vilipendiada em todo o mundo. Em Lisboa, emocionou e emocionou-se. O seu centenário (2 de dezembro de 1923) está ser celebrado de todas as maneiras e feitios