No final de 2018, Leïla Slimani está mergulhada na escrita do seu terceiro romance, ainda sem título. Por vezes, as personagens recusam falar-lhe, deixando a página vazia, em branco. A escritora francesa, de origem marroquina, recorda a propósito uma história atribuída a Tolstoi, que durante uma crise de inspiração terá exclamado: “Anna Karénina partiu. Estou à espera que volte.” Leïla sabe o que isso é. “Por vezes também me parece que as minhas personagens me fogem, que foram viver uma outra vida e que só voltarão quando assim decidirem.”
Em pleno impasse, surge um convite que noutras circunstâncias decerto recusaria liminarmente, fiel à ideia de que “a primeira regra quando se quer escrever um romance é dizer não”. Alina Gurdiel, editora com quem costuma trabalhar, criou uma nova coleção intitulada “A minha noite no museu”. Uma experiência forte, relatada depois num livro breve, com total liberdade criativa. “Seria interessante para ti ficar fechada durante uma noite num museu?”, pergunta-lhe Alina. Mais concretamente, em Punta della Dogana, o edifício que foi em tempos a alfândega marítima de Veneza e é agora, depois de reabilitado pelo arquiteto japonês Tadao Ando, um espaço dedicado à arte contemporânea, onde são exibidas obras da coleção de François Pinault. O que a atrai, o que a leva a aceitar, é a perspetiva de “ficar fechada”, longe de tudo, “sozinha num lugar donde não poderia sair e onde ninguém poderia entrar”.