Estudou matemática, doutorou-se em linguística, e antes de ser jornalista científico em jornais como o “Le Monde” já era escritor. O seu primeiro livro data de 1991 e, desde então, publicou duas dezenas, a bom ritmo, um a cada dois ou três anos. É portanto presença constante no mundo da edição francesa, mas só agora Hervé Le Tellier ganhou a visibilidade que a sua longa carreira merece. Em 2020, ter vencido o prestigiado Goncourt com o livro “A Anomalia”, lançado em Portugal pela Editorial Presença, tornou-o o segundo escritor mais vendido da história daquele prémio, depois de Marguerite Duras (com o seu insuperável “O Amante”) e antes de Jonathan Littell, autor de “As Benevolentes”.
“A Anomalia” é, ele próprio, um livro anómalo para um autor habituado a ser alvo de uma admiração discreta e que, de repente, vende um milhão de exemplares em França — por cá, o livro vai na quarta edição em apenas um par de meses. Mas é anómalo também enquanto romance que, não sendo uma distopia nem ficção científica, apresenta com verosimilhança científica a hipótese de, no nosso mundo, no mundo de hoje, um acontecimento que consideramos impossível — a duplicação de um avião e das duas centenas de pessoas que contém — levar a concluir que a nossa existência não passa de uma simulação. No meio desta realidade, desta “experiência do pensamento” assente numa teoria do filósofo sueco e professor em Oxford Nick Bostrom, os seres humanos, virtuais ou não, se debatem com os seus sentimentos humanos, as suas reações humanas, o seu ódio e o seu amor humanos.