Mike Milo entra em “Cry Macho — A Redenção” como antes começaram tantas outras personagens de Clint Eastwood interpretadas pelo próprio: na mó de baixo. Os dedos das mãos talvez já nem cheguem para contá-las, deixemos o exercício para outra ocasião, ainda bem vivo na memória está o Earl Stone que traficava droga como se nada fosse com ele em “The Mule” (2018) e, para já, é o que basta para comparação, nem é preciso ir mais longe. Podemos começar por aqui, pela facilidade com que Clint entalha os seus velhos heróis amargurados e sombrios num passado cruel que fica sempre em fora de campo, bastam-lhe duas ou três pinceladas, um diálogo apenas numa dúzia de planos em campo-contracampo, fica tudo dito nos não-ditos da cena a seguir ao genérico, escrita e filmada com a simplicidade dos justos. O 'loser' cai logo ali, de joelhos, à nossa frente. Mike é velho, está sozinho. Foi outrora uma estrela dos 'rodeos' do Texas que tombou depois na decadência. É provável que o orgulho e o álcool o tenham impedido (como a Earl) de ser bom pai e melhor marido. Mas quem tem autoridade para julgar uma vida?
Ao contrário do que nos é sugerido, não é Howard Polk (Dwight Yoakam) quem vai tratar desse julgamento. Howard é o patrão de Mike, acompanhou a fase final da sua carreira, conhece-o como as suas mãos. Na cena mencionada acima despacha sem piedade o velho decrépito que chegou uma vez mais tarde ao trabalho no rancho após noite que cheira a borracheira. Só que as coisas em Clint nunca são a preto e branco, nem sempre os beras o são realmente, “o que é terrível é que todos têm as suas razões”, como outrora disse Renoir. E um ano depois de o ter despedido, é o antagonista Howard quem bate à porta de Mike para lhe cobrar uma dívida que é mais um pedido, um voto de confiança, afinal continuou a pagar-lhe a renda sem nada exigir em troca.