Com concertos, exposições, cerimónias e outras iniciativas - incluindo, naturalmente, edições novas de e sobre obras como "Divina Comédia", "Vida Nova" e "O Convívio" -, a Itália e o mundo estão a comemorar aquela que será talvez a principal efeméride cultural do ano. Esta terça-feira, 14 de setembro, passam 700 anos sobre a morte de Dante Alighieri (1265-1321), o poeta que não só criou uma das obras icónicas da literatura europeia e mundial, como estabeleceu os direitos (literários e não só) do vernáculo, por oposição ao latim.
Dizer que o mundo inteiro se encontra na "Divina Comédia" (o título original era 'Comedìa'; o adjetivo só foi definitivamente acrescentado ao título no século XVI, mas já tinha sido usado por Boccaccio no século XIV) é exato, mas não suficiente. O livro contém o mundo mas também o submundo, e o que está por cima do mundo. O protagonista da "Comédia", que é o próprio Dante, viaja pelos nove círculos concêntricos do Paraíso, cada um deles com o seu tipo de pecador e a respetiva forma de castigo, e pelos sete terraços do Purgatório (correspondentes aos sete pecados capitais) antes de chegar ao Paraíso, onde percorre nove céus antes de chegar a um décimo que é luz e no centro do qual está Deus, sob forma de rosa.
Ao longo dos séculos, a história tem sido uma fonte inesgotável de inspiração para pintores, poetas e outros artistas. Como resistir a túmulos de fogo ou cadelas devoradoras? Independentemente do fundamento teológico, Dante, que escreveu a obra durante os seus muitos anos de exílio, terá aproveitado para ajustar contas com inimigos que tinha deixado em Florença. Em relação a alguns outros pecadores é mais compreensivo e, no Paraíso, onde o seu guia deixa de ser o poeta Virgílio (impedido de entrar por ser pagão), substituído por Beatriz, as coisas passam para outro plano.
Na vida real, ou no que parece ser real, Beatriz foi a jovem por quem Dante se apaixonou aos nove anos, quando a viu pela primeira vez. Tornou a vê-la aos 18 e daí até à morte dela, que ocorreu em 1290, os encontros foram à distância, com a paixão jamais consumada. Ambos eram casados com outras pessoas, mas Beatriz serviu como objeto perfeito do misticismo amoroso - das propriedades redentoras do amor, se quisermos -, que são um conceito central do 'dolce stil nuovo' em poesia, de que Dante era expoente.
Dante nasceu em Florença, numa família da pequena nobreza. Pouco ou nada é certo sobre a sua educação formal, mas cedo ganhou uma reputação de eloquência, sobretudo epistolar, o que mais tarde lhe seria útil em funções diplomáticas e como secretário de senhores poderosos. Esteve envolvido nas lutas entre guelfos e gibelinos, e mais tarde entre os guelfos brancos e os negros. Para poder participar na vida política de Florença inscreveu-se na corporação dos apotecários (farmacêuticos), com a menção de poeta. Em 1301 foi enviado em missão diplomática a Roma e nunca mais voltou à sua cidade natal.
Apanhado nas reviravoltas dos conflitos internos, viu-se banido e condenado à morte, com os seus bens apreendidos. O resto da sua vida seria uma deambulação por várias cidades do norte de Itália, até assentar em Ravena, onde morreu aos 56 anos. Casado aos 20 anos em cumprimento de um contrato entre famílias feito quando tinha 12, jamais falou da mulher nas suas obras. De Beatriz, e antes da "Divina Comédia", falou em "Vida Nova", obra escrita num formato que combina verso e prosa, tal como "O Convívio".
Ambas essas obras, e em especial a segunda, revelam o mesmo profundo conhecimento filosófico que a "Divina Comédia". Todas são escritas em língua vulgar, ao contrário de outras - "De Monarchia", "De Vulgari Eloquentia" - em que Dante expôe as suas ideias sobre política e sobre a língua.
Há ainda outras obras, nomeadamente uma recolha de poemas líricos intitulada "Le Rime". Como Cervantes, Dante é autor de um livro supremo, mas outras partes da sua obra também têm a marca do génio. Este ano, com a abundância de edições - entre elas uma nova tradução portuguesa em verso da "Divina Comédia", a publicar brevemente -, é uma boa altura para o (re)descobrir.
Dos tormentos do submundo até à rosa no céu: a viagem de Dante
Esta terça-feira passam setecentos anos sobre a morte de um dos génios supremos da literatura universal. A Itália e o mundo comemoram