O público berrou — “Não passarão!”, “Fascismo nunca mais!” — assobiou e até bateu palmas para calar o ator Romeu Costa que, em “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, faz de… fascista. O discurso final tem cerca de 15 minutos (o espetáculo 2 horas e meia) e estendeu com as interrupções do público do CCB, em Lisboa, a peça que se estreou em Guimarães há três meses. “Catarina...” foi pensada muito antes da pandemia, como reação indignada de Tiago Rodrigues contra o juiz Neto de Moura, que citou a Bíblia para justificar crimes de violência doméstica contra mulheres. O passar do tempo foi-lhe dando mais indícios da presença de vestígios de uma sociedade fascista autocrática e patriarcal. Por isso, esta história passa-se em 2028, numa propriedade rural, com o país governado pela extrema-direita, que se prepara para ilegalizar os sindicatos, criar cercas sanitárias nos bairros habitados por populações ciganas, desmantelar o SNS — os cuidados paliativos são servidos por uma app e os mais ricos podem ter acesso a “cuidados paliativos premium”.
Todos — irmãos e irmãs, primos, pais, tios e tias — encontram-se uma vez por ano, no montado da família, para executar o ritual de matar um fascista associado a atos de violência contra mulheres. A tradição vem da avó, que matou o marido em 1954, soldado, que nada fez para travar o assassínio da sua melhor amiga, Catarina Eufémia, às mãos de um fascista. Por isso, naquele dia, todos se chamam Catarina e se vestem com saias. O conflito começa quando se instala a dúvida. O fascista está à espera de ser morto, em silêncio, enquanto a Catarina que completa 26 anos (idade para matar o seu primeiro fascista) se debate com as palavras deixadas pela avó em carta: “Não hesiteis em fazer o mal para praticar o bem.” Esse é o grande murro no estômago: o mal pode vir de toda a parte e está em todos nós. Não é simples, porque, como diz Sara Barros Leitão (Catarina), “a liberdade e a igualdade não vão apertar o gatilho, sou eu”.