Senhora Ministra da Cultura
Excelência,
Os abaixo assinados — críticos e historiadores de arte, artistas, professores, galeristas e outros profissionais e agentes culturais com acção visível no tecido cultural e artístico português nos últimos anos — cidadãos cientes da gravíssima crise que assola o País, e de que ninguém é responsável, excepto quantos procuraram esconder o seu avizinhar, ou os que, diante dos evidentes sinais que se manifestaram, procuraram ignorá-los, e cuja responsabilidade acabará por ser apurada, entenderam escrever agora a V. Excia para lhe levar uma reflexão para a qual pedem, bem como aos demais responsáveis pelo Governo de Portugal, a melhor compreensão e atenção.
Afirmando, de antemão, que esperam, da parte de V. Excia e dos responsáveis pelo Estado português, a solidariedade e resposta merecida nos factos que apresentamos em seguida.
1) É do conhecimento geral que a gravíssima crise financeira e social que assolou Portugal na última década, e da qual apenas começávamos a sair quando esta nova maldição caiu sobre o frágil País, tinha, em grande medida, ceifado toda uma frágil construção de mercado e institucional.
Aquela que quase sem meios mas apesar de tudo esforçada, e em muito assegurada por investimento privado, sustentava a arte que se tem feito em Portugal no plano das Artes Visuais. Uma Arte que tem merecido, como também se sabe, da parte da comunidade internacional, uma atenção inédita de acolhimento e admiração, acontecendo o facto inédito de um número substancial de Artistas portugueses trabalharem já com mercados internacionais ou figurarem em importantes colecções privadas e públicas. E assim já que, apesar das terríveis condições de mercado e de visibilidade a que tem estado sujeita, ela continua a ser assegurada por um enorme conjunto de Artistas de enorme talento e invenção, que têm tido a coragem de prosseguir a sua investigação e de manter actividade.
2) Esta situação, brevemente descrita acima, levou a que inúmeras galerias tivessem fechado, e que se tenha retraído a pouca capacidade que já antes se sentia de disponibilizar suficiente dinheiro público para assegurar continuidade às colecções que, até 2008, se haviam iniciado nos principais museus públicos.
Assim, e ao contrário dos países Europeus com quem se alimenta o nosso diálogo artístico e cultural, que dotam de impressionantes verbas os seus museus de arte actual para compor colecções de excepção, e onde um mercado florescente ajuda a assegurar a sobrevivência, a presença e o diálogo dos Artistas com a sociedade, consolidando culturalmente a sua força, Portugal viu constantemente diminuída a sua obrigação para com os seus Artistas e para com a criação de um tecido cultural sem o qual enfraquece a identidade de um País, construída necessariamente em diálogo com os demais e acertando o passo com o do mundo. Como exemplo lembre-se que o apoio do Governo alemão foi de 50 mil milhões de euros e o do Estado de Berlim de 500 milhões, para artistas e empresas na área cultural.
3) A crise actual, tendo tomado lugar quando ainda estavam por criar as condições de mudança qualitativa e quantitativa para a anterior, ameaça agora deitar por terra os inúmeros esforços de intelectuais, artistas, críticos, historiadores, curadores, galeristas, marchands, antiquários e de quantos se esforçaram por resistir a essa adversidade em vários planos.
Fazendo arte, mas também organizando exposições, escrevendo, curando, promovendo diálogos ou abrindo espaços de mercado quase sem retorno, e por vezes graciosamente ou, mais em geral, desenvolvendo um trabalho que, em todas as sociedades civilizadas é pago, especializado e objecto de alto apreço e de reconhecimento, manteve-se activo este campo social. Sem esse trabalho de muita gente, porém, há muito que na sociedade portuguesa teriam estagnado os espaços de criação e de cultura. Tal como o teatro não pode viver sem autores, actores e encenadores, o cinema sem meios para máquinas, técnicos e actores, etc, a literatura sem autores e editores, ou a música sem agrupamentos cada vez mais competentes, também a arte não pode (ou, pelo menos, não deve) subsistir sem estes apoios sem os quais estiola e perde a sua força comunicante.
Sabemos, porém, que tal desenvolvimento tem que ser assegurado por estruturas que lhe dêem visibilidade mas, também, por meios que permitam a subsistência de Artistas e criadores, sem cuja actividade ela enfraquece. No momento actual, senhora Ministra da Cultura, o pouco mercado que existia, por iniciativa exclusiva dos galeristas privados, deixou de ter capacidade de corresponder à sua função. Por outro lado, o enfraquecer deste sector particular de actividade, em que a função cultural e a comercial se misturam quando correctamente praticados, arrastará igualmente, adiante, o encerramento de espaços fundamentais destinados à divulgação, afirmação e comercialização das obras dos Artistas e interrompendo a normal relação que, nas sociedades modernas, fez das galerias o espaço de teste da divulgação da arte, prévio a escolhas de curadores, museus e críticos, e à função de adiante garantir uma saudável história da arte, apoiada em bons exemplos.
4) Pelas razões aqui elencadas, os signatários, pertencendo a diversos domínios da actividade artística e cultural, entenderam vir, junto de V. Excia requerer que o Ministério que superiormente dirige, em acordo com os demais órgãos do Estado português, disponibilize, a breve trecho e com carácter de urgência, uma verba nunca inferior a um milhão de euros para dispender em arte no corrente ano. Seriam eles destinados a adquirir obras de arte nas diversas galerias portuguesas, através de escolha observada por uma Comissão especializada, nomeada por V. Excia, e integrando representantes nacionais creditados nestas várias actividades.
Essa verba, desde que adequadamente administrada, poderá a) salvar a produção artística do País, b) garantir a sobrevivência do mercado, galerístico e secundário, e c) as obras assim adquiridas virem a integrar acervos dos museus públicos, garantindo o cumprimento, por parte do Estado português, das suas obrigações para com um sector de actividade que, nas crises, é por tradição o primeiro a ser esquecido. Por outro lado, uma tal acção daria um sinal forte à sociedade civil de que o Estado não se desobrigou das suas responsabilidades públicas para com a cultura e a arte, encorajando e estimulando desse modo os colecionadores particulares a continuarem empenhados em desenvolver actividade mecenática, indispensável à perpetuação dessas complexas relações que permitem dizer que um País tem arte própria e não vive na ignorância e na miséria.
Mais afirmamos que tão imperiosa necessidade poderá ser a que, adiante, fará a diferença diante daqueles que vierem depois de nós, na compreensão de que, mesmo no meio da mais cruel crise, o Estado cumpriu com a sua responsabilidade para com a arte e os Artistas que a fazem, dando a cada país a sua identidade. E para que não se diga que, para poupar em números sem qualquer significado num orçamento, preferiu regredir àqueles modos, típicos do subdesenvolvimento, que abafaram a produção artística no período anterior ao 25 de Abril de 74.
Signatários:
Bernardo Pinto de Almeida - Historiador de Arte e ensaísta, Professor Catedrático na Universidade do Porto
Margarida Acciaiuolli de Brito - Historiadora de Arte, Professora Catedrática jubilada da UNL
Jacinto Lageira - Filósofo e ensaísta. Professor Catedrático na Sorbonne
Pedro A.H. Paixão - Artista plástico
Álvaro Siza Vieira - Arquitecto
Ana Vidigal - Pintora
José de Guimarães - Artista plástico
Isabel Cabral - Artista plástica e Professora
Rodrigo Cabral - Artista plástico e Professor universitário (Fac. de Belas Artes UP)
Maria de Fátima Lambert - Professora e Curadora independente
António Cerveira Pinto, Artista, Curador e crítico
Manuel Casimiro - Artista plástico
Valdemar Santos - Artista Plástico, Professor universitário (Fac. de Belas Artes UP)
Álvaro Fonseca - Arquitecto
José Carlos Pereira - Historiador de Arte, Professor Universitário
Sobral Centeno - Artista plástico
António Gonçalves - Artista Plástico e Curador
António Olaio - Artista plástico e Professor universitário (Universidade de Coimbra)
Baltazar Torres - Artista plástico
Sílvia Tavares Chico - Historiadora de arte e Professora universitária (U.L)
Maria José Goulão - Historiadora da Arte, Professora universitária (Fac. de Belas Artes UP)
Manuela Hargreaves - Docente e investigadora em História da Arte (UP)
Manuel Gantes - Pintor e Professor Universitário (U.L)
Miguel Branco - Artista plástico
Luís Pinto Nunes – Curador do Museu da Faculdade de Belas Artes da UP. / Curador Independente
Carlos Vidal - Artista plástico, ensaísta e Professor universitário
João Sousa Cardoso - Artista e Professor universitário
Pedro Proença - Artista plástico
Inês d’Orey - Fotógrafa
Pedro Calapez - Artista plástico
Raul Perez - Pintor
Francisco Queirós - Artista Visual
Nuno Centeno - Director Galeria Nuno Centeno Contemporary Art
Paulo Mendes - Artista e curador
Maria de Belém Sampaio - Directora da Galeria Presença
Cristina Ataíde - Artista Plástica
Graça Sarsfield - Fotógrafa
Pedro Oliveira - Director da Galeria Pedro Oliveira
Olga Noronha - Artista, Professor de Design, Curadora da Sala Futuro - Museo Del Gioiello (Itália)
Isabel Sabino - Artista plástica e Professora universitária (FBAUL)
Carlos Carreiro - Artista plástico e Professor universitário
Beatriz Albuquerque - Artista
Maria João Gamito - Professora universitária (U.L)
António Belém Lima - Arquitecto
Carolina Pimenta - Artista
Gerardo Burmester - Artista plástico
Ana Cardoso - Artista plástica
Pedro Tudela - Artista Visual e Sonoro, Prof. Faculdade de Belas Artes
José Mário Brandão - Director da Galeria Graça Brandão, Lisboa
João Onofre - Artista visual e Professor universitário
Manuel Ulisses - Director da Galeria Quadrado Azul, Porto e Lisboa
Fernando Marques de Oliveira - Artista plástico
Nuno Sousa Vieira - Artista plástico
Mário Bismarck - Pintor, Professor Catedrático na Fac. Belas Artes U.P.
João Viana - Pintor
António Campos Rosado - Artista plástico
Mário Roque - Director da Galeria São Roque, Lisboa
João Jacinto - Artista plástico e Professor universitário
Luís Quintais - Poeta, Professor universitário (Universidade de Coimbra)
Fernando Santos - Director da Galeria Fernando Santos, Porto
João Azinheiro - Director da Kubikgallery, Porto
Rita Gaspar Vieira - Artista
Isaque Pinheiro - Artista plástico
Manuel Santos Maia - Artista plástico
Andreia Faria - Escritora e tradutora
Albuquerque Mendes - Artista visual
Rui Brito - Director Galeria 111
Arlete Brito - Galerista (Galeria 111)
Laura Esteves Afonso - Presidente da Fundação Nadir Afonso
Jorge Leandro Rosa - Ensaísta, investigador e tradutor
Filipe Esteves Mendes - Galerista, Professor na École du Louvre
Ana Maria Marin Gaspar - Assessora do Ministério da Cultura - Direção Geral das Artes (aposentada)
Pedro Sousa Vieira - Artista plástico
Miguel Amado, Curador, Director do Sirius Arts Centre, Cobh, Irlanda
Isabel Lopes Gomes, Investigadora, Autora de Documentários sobre artistas
Pedro Valdez Cardoso - Artista plástico
Helder Cancela - Escritor, Professor universitário
José Maçãs de Carvalho - Artista plástico, Professor universitário (Universidade de Coimbra)
Filomena Soares - Directora da Galeria Filomena Soares