Um prémio como o Prémio Camões, instituído pelo Governo Português e brasileiro, fica bem a muitos dos meus camaradas das Letras. Mas não seria mais adequado do que a uma pessoa como eu, criada na memória do Brasil, nascida numa terra de Portugal em que a laranja da Baía foi moeda, como ouro e prata.
Meu pai viveu no Rio vinte e cinco anos e levou daqui uma enciclopédia que era famosa nesse tempo. Ela seria o primeiro consolo para as minhas solidões povoadas da infância. Na Biblioteca Internacional de Obras Célebres estavam representados os autores mais afamados, clássicos e modernos. Foi essa a minha Universidade, presidida por Menéndez Pelayo e outros tão competentes mestres catedráticos. Os colaboradores brasileiros eram eminentes, como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, José de Alencar, almas tão grandes como o talento reconhecido. Eu lia aos dez anos essa obra imensa, entre comer maçãs e as cintilações das informações que ainda hoje são sólidas e guardam para mim a luz da sua sabedoria. Aprendi que se amam as pessoas na sua diversidade e os países nos seus encantamentos de costumes de praxes e de sentimentos. Recordo tudo isso como a primeira lição da minha vida mental e afetiva.
Ao escolherem para premiados pessoas tão diversas, estão a apoiar a teoria do amor pela criação humana, seja obra que celebra o pensamento, que eleva o espírito ou verso que o consagra, tudo maravilha que nos apaixona. Agradeço ser distinguida com o prémio que é amor que se reparte pelos dons da humanidade, nos seus aspetos criadores. Agradeço às duas pátrias, sagradas numa mesma língua que é alma de comunicação e esperança. Esperança conduzida tanto pelo clamor da fama como pelo obscuro canto dos poetas. Conto uma história que me aconteceu há alguns anos nesta cidade:
Numa noite já de despedida do Rio conheci na Avenida de Copacabana uma mulher nova que vendia rendas do Ceará e outras coisas bonitas. Eu estava acompanhada por alguém que, meio a brincar, me apresentou como escritora. E ela disse, logo expansiva e divertida: “Eu também sou escritora. Escrevo pensamentos, coisas a que tenho na ideia sobre José do Egipto e a princesa Elisa. Havemos de voltar a falar”.
- Vou-me embora amanhã – disse eu.
- Isso que tem? Nem a viagem ao céu é só de ida.
Admirei-me. O génio está no coração mais desconhecido, mais enigmático. “Nem a viagem ao céu é só de ida.” Quem não invejaria estas palavras? Eu admirei-me e invejei-as. Tenho-as, entre outras, por companhia. E com elas me despeço; com pena e alegria, que às vezes andam juntas na corrida da vida.
Muito obrigada.
Agustina Bessa-Luís