Cultura

Maio de 68 no Museu do Aljube

Abriu dia 3 de Maio a exposição “Maio de 68, 50 anos depois”. Está patente em Lisboa no Museu do Aljube Resistência e Liberdade até ao final do mês

António Pedro Ferreira

A 22 de Maio de 1968 um grupo de estudantes, operários e exilados políticos decidiu levar a cabo uma ocupação simbólica da Casa de Portugal no contexto da revolta que lavrava em França desde o início do mês. Ao contrário de outras residências da cidade universitária internacional de Paris não era uma emanação do Estado (como o eram as casas de outras ditaduras caso da Espanha, Grécia ou Brasil) mas da Fundação Gulbenkian. Isso não impediu que a acção fosse para a frente e durasse à volta de um mês.

O que os ocupantes não sabiam e agora se pode ver através de documentação proveniente do arquivo nacional da Torre do Tombo e dos arquivos da própria fundação foi a repercussão política da iniciativa no Portugal de então. Num recorte do “Diário de Notícias” de 14 de Junho de 1968 o título da notícia publicada rezava assim: “Na Cidade Universitária de Paris os estudantes ‘revolucionários’ fizeram depredações e avultados roubos no pavilhão português”. Era esta a versão dos acontecimentos que com mais ou menos pormenores constava de documentos da Pide.

Tudo isto está em destaque na exposição “Maio de 68, 50 anos depois”, inaugurada quinta-feira dia 3 de Maio e patente em Lisboa no 4º piso do Museu do Aljube Resistência e Liberdade até ao final do mês. Um dos vários cartazes reproduzidos mostra um vulto feminino a atirar uma pedra e tem como título o equivalente em francês da frase “A Beleza está na Rua”. Ainda que se tenha como assente que um dos legados do Maio de 68 tenha sido um impulso decisivo à versão moderna da emancipação feminina, na altura e como sublinhou uma das ocupantes da Casa de Portugal presente na cerimónia de abertura, “raparigas éramos somente três”.

Um dos residentes da Casa de Portugal que viria a fazer causa comum com os ocupantes foi o padre Felicidade Alves, mais tarde perseguido pela ditadura e cujo nome está sublinhado a vermelho por mão anónima com a menção “muito perigoso” num documento constante dos arquivos da Gulbenkian. Se, apesar da rede de informadores da polícia política, nenhum dos principais organizadores da ocupação (e alguns deles promotores da exposição do Aljube) como Fernando Pereira Marques, Vasco de Castro ou Aires Rodrigues foi identificado, já o mesmo não se pode dizer de 15 emigrados portugueses, todos operários, cujos nomes constam de uma ordem de expulsão de França reproduzida na exposição.

António Pedro Ferreira

“Aguentem camaradas!”

Esta mostra terá como manifestação paralela a exibição de dois documentários do realizador de origem portuguesa José Vieira dia 24 de Maio às 18 horas sobre o Maio de 68 e a situação dos emigrantes lusos, com comentários de Fernando Pereira Marques.

Durante a cerimónia de inauguração usaram da palavra, além do director do Museu, Luis Farinha, o sociólogo Fernando Pereira Marques, o ex-dirigente político Aires Rodrigues e o historiador José Pacheco Pereira. Para além das análises do que significou e ainda significa o Maio de 68 todos deixaram testemunhos curiosos.

Pereira Marques foi um dos 500 estudantes presos a 3 de Maio de 1968 na Sorbonne, acto que detonou a revolta geral. Conta que, enquanto esperavam ser levados para os carros celulares, um grupo de alunos surgiu vindo do nada, a correr, contornou a polícia a atirou maços de tabaco por cima da cabeça dos agentes gritando “aguentem camaradas!”

Aires Rodrigues que era operário na Renault foi interpelado à saída da fábrica por um patrício que lhe perguntou: “como vão as coisas aqui?” Era Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro que, como não sabia francês, só assim se conseguia informar. E na grande manifestação de 13 de Maio onde se gritou pela demissão de De Gaulle, um outro português ao seu lado exclamava: “Com tanta gente, bastava cada um de nós ter uma colher de pau para se deitar isto tudo abaixo”. Era Fernando Lopes Graça…

Pacheco Pereira, então estudante de Letras no Porto, conta que no rescaldo do Maio de 68 um grupo se reuniu no Café Majestic e decidiu contrariar a norma do Ateneu Comercial que proibia a entrada de pessoas sem gravata. “Escusado será dizer que ouve empurrões e vidros partidos à entrada…”