Cultura

Entrevista aos Ermo

O segundo longa-duração dos bracarenses Ermo é a mais refrescante aventura discográfica que a música portuguesa ouviu em 2017

Os Ermo são António Costa 
e Bernardo Barbosa.

Vem Por Aqui”, de 2014, trouxe a dupla bracarense Ermo até aos nossos ouvidos. De forma pouco consciente, percebemos rapidamente o diamante em bruto que se encontrava ali. Ficámos ansiosos por ‘ir por ali’ e, um ano depois, o EP “Amor Vezes Quatro” ajudou a espicaçar ainda mais a nossa curiosidade quanto ao universo muito particular de António Costa e Bernardo Barbosa.

Agora, “Lo-Fi Moda”, revolucionário segundo álbum, confirma as nossas melhores expectativas: os Ermo alargaram horizontes e ao fazê-lo trouxeram uma sempre necessária lufada de ar fresco à música feita dentro de fronteiras. Em menos de 40 minutos, o duo reinventa-se, agiganta-se, e, conscientemente ou não, apresenta-nos um grupo de canções tremendamente ambicioso. “A ideia para este disco era fazer algo que ganhasse encanto por vir de uma loja dos 300, por parecer inacabado”, explica Costa ao Expresso, justificando assim a escolha do título “Lo-Fi Moda”, “porque gosto que quem ouça Ermo esteja ciente de que tem ali um produto não profissional, que pode evoluir... Que é passível de ser evoluído”.

Esta excitante viagem começa com uma verdadeira declaração de intenções. ‘Vem Nadar Ao Mar Que Enterra’ mostra cedo que o limar de arestas não retirou um pingo de inventividade e eficácia à sonoridade que conhecemos em “Vem Por Aqui”: a voz de Costa suavizou-se, sem perder assertividade, as paisagens eletrónicas estão mais redondas, mais expansivas, e abertas a uma nova luminosidade, e aquele orgulho nas raízes, que no álbum anterior se traduzia em referências mais óbvias ao canto popular ibérico, continua a ler-se, de forma mais sofisticada e menos direta, em alusões à “herança” de um país que sempre teve os dois pés bem assentes na areia do mar. “Já não nos esforçamos por deixar isso patente, mas está lá sempre porque não conseguimos apagá-lo. Faz parte de nós... Assim, temos hipótese de incluir coisas novas sem nunca perdermos o chão.”

O músico de Braga assume que o processo de criação de “Lo-Fi Moda” foi “obsessivo” e que deram especial atenção “aos instrumentais” porque, “se calhar, era essa a parte em que queríamos injetar mais evolução”. A acidez de ‘Ctrl + C Ctrl + V’ deixa-o bem claro, mas a assertividade de versos como “Já não pago às pessoas a quem me vendo/ Se estou pior, não estou por cá, sei bem porquê” revela também a importância gigantesca que continuam a ter as palavras nesta nova fase da vida dos Ermo.

Torna-se praticamente impossível encaixar temas como ‘Circle J’, ‘Fa zer Vu du’ ou mesmo uma estranha “balada” de nome ‘raicevic.als’, que ora parecem banda sonora de velhinhos jogos arcade ora deixam romper melodias etéreas, numa determinada categoria — não que isso nos interessasse particularmente (ou a eles) —, nem tão-pouco é fácil encontrar referências/influências óbvias na música que fazem... E se nos questionarmos quanto ao recurso a samples, Costa esclarece: “O sampling vem muito mais como conveniência. Se gostarmos de algo, se calhar utilizamo-lo à partida e fazemos uma música inteira à volta disso, mas depois acabamos por retirar o sample porque é a única coisa de que não gostamos. Mais tarde, se calhar, vamos buscar uma coisa de um artista de quem nem gostamos tanto mas que encaixa ali mesmo bem. Funciona mais por transmutação do que pela vontade de incluir este artista ou aquele.” Esclarecidos.

Quando os ambientes sufocantes de ‘Púrpura Pálido’ e o minimalismo de ‘«»’ (o silêncio pesado a ouro) nos voltam a trocar as voltas e a criatividade em espiral de ‘Frito Futuro’ nos prepara para a acidez do maravilhoso ponto final que é ‘Contra’, já nos restam poucas dúvidas quanto ao feitiço que os Ermo nos lançaram. É no enigma, na vontade de nos querer deixar sempre a adivinhar o que virá a seguir, que reside a força da dupla. E “Lo-Fi Moda” deixa-nos eternamente gratos por não termos desistido de ‘ir por ali’.