Ainda a invasão da Ucrânia pelos exércitos russos de Putin não tinha completado um mês e já Bohdan Hrynko, Oleg Hula e Andriy Zholob (o trio que constitui o trio punk-hardcore ucraniano Beton) tinham corrido até um estúdio de Lviv para gravar a banda sonora e, logo a seguir, o vídeo do apelo à resistência e solidariedade anti-imperialistas. Qual cantiga seria essa arma? ‘London Calling’ — canção-título do terceiro álbum de “The Clash” (1979), inspirada pelo indicativo da BBC nas emissões para a Europa ocupada pelas tropas nazis durante a Segunda Guerra Mundial — em versão adaptada às atuais circunstâncias e imediatamente abençoada pelos Clash sobreviventes: “Kyiv calling to the zombies of death, quit holding Putin up and draw another breath, Kyiv calling see we cannot retreat, we’re already home so Russia ships fuck you! Kyiv is rising, we live for resistance!” Zholob, o guitarrista, vocalista e ortopedista que, na frente de combate, se dedica ao tratamento de soldados feridos e vítimas civis, é, segundo ele, “apenas um entre muitos outros músicos que trocaram as guitarras pelas armas na defesa do território”. Não espanta, pois, que tenham optado por uma canção dos Clash que, tal como, décadas atrás, Woody Guthrie anunciava, sempre encararam as canções como armas de elevada precisão.
Se os Gang of Four eram o comité ideológico do punk britânico e os Sex Pistols (muitas luas antes de John Lydon/Rotten acabar a apoiar Donald Trump) a extensão Situacionista, Joe Strummer, Mick Jones, Paul Simonon e ‘Topper’ Headon encarnavam a brigada operacional de agitação e propaganda. Desde “The Clash” (1977) e “Give ’Em Enough Rope” (1978), tanques de fermentação de ‘London’s Burning’, ‘White Riot’, ‘Career Opportunities’, ‘Tommy Gun’ e ‘Janie Jones’ (na opinião de Martin Scorsese, “the greatest British rock and roll song”), os dados estavam lançados. Mas seria com “London Calling”, “Sandinista” (1980) e “Combat Rock” (1982) que o lugar dos Clash enquanto “the only band that matters” ficaria definitivamente estabelecido. Incorporando elementos de rockabilly, reggae, dub, ska, funk e rock clássico — o design gráfico da capa de “London Calling” mimetizava o do álbum de estreia de Elvis Presley — como veículo para os slogans, palavras de ordem e denúncias políticas, os Clash envolver-se-iam com organizações e movimentos como a Anti-Nazi League e Rock Against Fascism, e Strummer não hesitaria em vestir t-shirts explicitamente em apoio das Brigadas Vermelhas italianas e dos alemães Baader Meinhof, material altamente inflamável no preciso momento em que o Reino Unido se precipitava no thatcherismo. “Somos antifascistas, antiviolência, antirracistas e pró-criativos”, tinha afirmado Strummer em 1976. Mas, daí em diante, a banda dera consideráveis passos em frente.