Em Portugal, começam a surgir vozes críticas ao acordo alcançado esta quarta-feira na Cimeira do Clima da COP28 no Dubai, considerando que soube a pouco. Uma delas é a de Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, que considerou ser um “acordo de alçapões”, com “o mínimo dos mínimos”, que está longe de proteger o mundo dos efeitos do aquecimento global.
“Esta COP pode ter superado o seu impasse, mas ela o que conseguiu foi um acordo de alçapões e os alçapões não nos vão proteger das alterações climáticas”, alertou Mariana Mortágua numa conferência de imprensa esta quarta-feira na sede do BE em Lisboa.
Mariana Mortágua deixou claro que “havia muito poucas ilusões” em relação a um conferência que foi organizada nos Emirados Árabes Unidos, país “cuja fortuna provém da exploração de petróleo” e cujo presidente lidera também “uma empresa que explora petróleo”, referindo ainda que nos corredores da COP circularam “2.500 lobistas da área do petróleo e dos combustíveis fósseis”.
“Da mesma forma que o mundo não se pode satisfazer com um acordo que está abaixo dos mínimos e que mesmo se for cumprido não consegue cumprir as metas do acordo de Paris, Portugal também não se pode contentar com a evolução que tem feito ao nível das energias renováveis. Há muito por fazer em Portugal”, frisou.
Sublinhando que a COP28 “não chegou a um acordo para a eliminação dos combustíveis fósseis”, a líder do BE avisou que, mesmo que este acordo seja cumprido, o que nunca aconteceu até hoje, o mundo está perante um “aquecimento que é o dobro daquele previsto nas metas do acordo de Paris”.
A prova do “fracasso da COP”, explicitou a coordenadora do BE, é que "só à 25.ª hora, já depois do tempo regulamentar, é que foi possível chegar a um acordo que é o mínimo dos mínimos e que usa a expressão ‘transição para fora dos combustíveis fósseis’ para evitar a expressão que se esperava e que é defendida pela ONU que é eliminação gradual dos combustíveis fósseis”.
“Avanço importante” mas de “sabor agridoce”, diz a ZERO
O presidente da associação ambientalista ZERO, Francico Ferreira, já reagiu, em comunicado, às conclusões da conferência da ONU sobre o clima, considerando que o acordo alcançado é um “avanço importante”, mas tem um “sabor agridoce”.
Francisco Ferreira fala de muitas “pontas soltas” neste acordo da COP28, sustentando que deixa em aberto muitas opções "falsas e contraditórias".
Reconhecendo que a declaração final abre caminho para o fim da era dos combustíveis fósseis, o presidente da ZERO destaca que "não reflete a necessidade de financiamento necessária, nomeadamente na questão das perdas e danos e também no equilíbrio entre os esforços de mitigação e adaptação".
A associação ambientalista enfatiza também que o Balanço Global foi acolhido com satisfação "após a inclusão e reforço das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, em inglês), as fortes referências à ciência, além dos diversos elementos que serão a base para garantir um caminho do próximo balanço global".
São também realçadas pela ZERO as referências sobre o "oceano, onde se reconhece a importância do restauro dos ecossistemas marinhos e das ações de mitigação e adaptação marinhas, reforçando o nexo Oceano-Clima".
“Liderada pelo executivo de uma petrolífera”, denuncia a Climáximo
O grupo Climáximo denunciou a ausência de objetivos vinculativos no acordo alcançado na COP28, que aponta pela primeira vez para o abandono dos combustíveis fósseis, sublinhando que o documento reconhece falhanços na luta contra as alterações climáticas.
Noah Zino, membro da organização ativista ambiental, sustenta que a declaração dos países reunidos na COP28 no Dubai não difere muito do que foi feito em anteriores cimeiras.
“Liderada pelo executivo de uma petrolífera, o texto nem sequer vincula nada nem nenhum país e o que vemos é uma espécie de cadáver do Acordo de Paris, que já está morto há anos e foi maquilhado, apesar do seu falhanço óbvio. 2023 é o ano com mais emissões de sempre e continuam a passar falsas soluções que não vinculam nada a ninguém”, defendeu.
Noah Zino realça que o documento da cimeira também assume que “os esforços atuais só vão reduzir as emissões por 2% até 2030”, sem mudanças realmente visíveis no clima, e que nem a meta de triplicar o uso de energias renováveis será efetiva perante a dependência dos combustíveis fósseis.
“Triplicar renováveis não serve para nada se não for para cortar uns 70% de emissões até 2030. Isto é, têm de falir algumas das maiores petrolíferas do mundo. Nenhuma desta expansão energética está associada a uma redução de emissões, simplesmente querem produzir mais energia e tentam passar uma narrativa de que isso está associado a alguma espécie de corte de emissões. E isso não está escrito em lado nenhum. Nada disto é vinculativo”, observa a ativista da Climáxico.
A ativista contesta ainda a aposta em “falsas soluções” sem provas científicas de viabilidade, como a tecnologia de captura de carbono ou ao hidrogénio, mas também a aposta em Portugal em projetos que podem vir a reforçar as emissões de carbono, nomeadamente “o novo aeroporto, um gasoduto ou a expansão do terminal fóssil em Sines”.
“É mesmo impossível resolver a crise climática no modelo económico que temos e precisamos urgentemente de uma resposta de crise, da mesma forma que tivemos ao covid, porque, efetivamente, estamos numa emergência”, destaca Noah Zino, concluindo: “Nada disto é um compromisso sério para lidar com a crise climática e a crise social”.
Ventura quer evitar “radicalismos” que levem à perda de investimentos
O líder do Chega, André Ventura, considerou que o acordo alcançado na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas “foi prudente,” e defendeu que a redução dos combustíveis fósseis deve acontecer “de forma equilibrada”.
Falando aos jornalistas antes de uma visita ao Mercado de Benfica, em Lisboa, Ventura disse que “o extremismo da dita agenda verde causa também não poucos problemas à economia, à indústria e aos trabalhadores sobretudo dos países ocidentais, da Europa, dos Estados Unidos”.
“Nós temos de fazer um caminho de redução dos combustíveis fósseis, isso penso que é consensual no mundo inteiro, mas temos de o fazer de forma equilibrada e temos que o fazer de forma prudente”, defendeu, alertando que “qualquer radicalismo sobre esta matéria leva a que se percam empregos, indústrias e investimento”.
André Ventura apontou que a COP28 “talvez não tenha sido o que muitos gostariam que esta cimeira fosse” e “acabou por ter uma mensagem pouco ambiciosa, mas teve algum equilíbrio, que era importante para preservar o sistema económico e não deixá-lo destruir por qualquer extremismo da agenda ambiental”.
Quercus não quer só “declarações de intenções”
A associação ambientalista Quercus considera que em relação à luta climática mais do que compromissos políticos o que importa é ver “as medidas adotadas”, e lembra que nesta matéria “os resultados até hoje não são os esperados”.
A presidente da associação, Alexandra Azevedo, comentava o compromisso que saíu da cimeira do clima no sentido de se abandonar os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, ainda que escrito de uma forma vaga.
Alexandra Azevedo admite que essa referência aos combustíveis fósseis possa marcar a cimeira do clima, mas lembra que também outras foram marcantes, como a COP03, que criou o protocolo de Quioto, ou a COP21, quando foi assinado o Acordo de Paris. Nos dois casos “os compromissos e as metas não foram cumpridos”.
“Mais do que declarações de intenções são as medidas efetivas no terreno que importam”, alerta, acrescentando que as alterações climáticas não são apenas questões ligadas à energia, e que são necessárias “respostas concretas” aos agricultores, por exemplo.
“É preciso uma mudança para uma agricultura regenerativa”, defende, considerando que também aqui mais do que compromissos políticos o importante é ver as medidas adotadas.
Greve Climática Estudantil cética com o acordo
A Greve Climática Estudantil manifestou-se cética sobre o acordo alcançado na COP28 para o abandono dos combustíveis fósseis e considera que as soluções não serão encontradas pelas entidades que criaram os problemas.
“Gostávamos de ter essa esperança, mas desde que nascemos que ouvimos mentiras destas instituições, ou seja, fica difícil acreditar nestes acordos que fazem. Instituições em que os lóbis fósseis têm um número maior do que o número de representantes dos vários países… custa-nos acreditar que é isto que vai resolver”, disse uma porta-voz da organização, Beatriz Xavier, assinalando que ano após ano as emissões de carbono têm vindo a aumentar.
“Seria ingénuo da nossa parte acreditar que é dentro do sistema que os criou que vão ser resolvidos os problemas e que vão ser criadas soluções. Já há algum tempo que a COP é um centro comercial de inúmeras fraudes apresentadas como soluções para a crise climática, ou seja, a captura e armazenamento de carbono, hidrogénio verde, e todos os produtos publicitários”, acrescentou.
Sublinhando não existir “nada de vinculativo” na declaração alcançada na COP28, Beatriz Xavier salientou que essa ausência de compromissos visíveis representa um “estado de degradação institucional” na resposta à emergência climática.
“Quando vemos uma COP em que o presidente é o megalómano CEO de uma petrolífera, em que o país é um petroestado e em que o próprio CEO disse que a COP ia ser um palco para negociações sobre a indústria fóssil já diz tudo. Não penso que seja esta declaração que vai resolver esta crise”, concluiu a porta-voz da Greve Climática Estudantil.