Opinião

No ano mais quente da história, o que saiu da COP?

2023 foi o ano com mais emissões e o mais quente da história. Estamos num caminho que terá consequências catastróficas para o planeta e para a vida. Parece irresponsável qualquer satisfação celebratória

Até à última hora, na Cimeira do Clima realizada no Dubai, esteve em risco haver sequer uma declaração que apontasse para o fim da era dos combustíveis fósseis. No final, acabou por ser incorporada a referência a uma transição rumo ao abandono dos combustíveis fósseis (em inglês: “transitioning away from fossil fuels in energy systems”). É uma expressão diferente da “eliminação progressiva”, embora os mais otimistas a celebrem como uma vitória diplomática. Para esses e essas, aquela frase incluída na declaração seria a assunção de que é o momento de começar a acabar com o fóssil. Seria sinal de que se superou coletivamente a fase da negação.

A expressão é certamente melhor do que o vazio que chegou a estar em cima da mesa. Mas parece irresponsável qualquer satisfação celebratória. O rumo que esta COP exibiu como consenso possível não é animador nem está à altura do momento.

A linguagem das declarações continua a ser dissimulada e são múltiplos os alçapões minuciosamente colocados nos textos para manter a porta aberta ao financiamento e à exploração de novas fontes de petróleo e gás, novas escavações e perfurações. Não se apresentam objetivos e metas vinculativas e as “circunstâncias e caminhos nacionais” são o biombo de compromissos fracos, em documentos nos quais fica patente o esforço e a influência dos países produtores de petróleo. Continua a apontar-se a neutralidade carbónica para 2050: é uma pequena eternidade face à emergência que vivemos. O fundo de perdas e danos, para apoiar os países mais afetados pelas alterações climáticas e para promover políticas de transição económica dos países mais pobres, tem uma quantia muito aquém dos 370 mil milhões de euros que seriam necessários, mesmo que tenha havido um avanço na sua operacionalização.

Os EUA mantêm a sua hostilidade ao fundo e destinam-lhe uma contribuição insignificante. A Arábia Saudita procurou impedir qualquer compromisso sobre a eliminação da energia fóssil, querendo reduzir o problema a uma questão de “eficiência”. E até países como o Brasil, que são aliados do Sul Global e têm agora em Lula um presidente que rompeu com o negacionismo climático do fascista Bolsonaro, mostram práticas contraditórias. Por um lado, alertam para a crise climática, para a importância de proteger a Amazónia, para a necessidade da dita transição e para a responsabilidade dos países mais desenvolvidos no fundo de perdas e danos. Por outro, promovem novos furos de petróleo e gás natural, pondo em causa a preservação da natureza e entregando ao mercado 602 blocos para exploração, numa operação que tem sido apelidada de “leilão do fim do mundo”. Entre o discurso e as decisões políticas, é grande a distância.

Portugal, que tem nestas cimeiras um discurso impecável, sobretudo se comparado com as petromonarquias e os negacionistas climáticos (que têm em Milei, recém-eleito presidente da Argentina, o mais recente porta-voz), também podia fazer muito mais. A lei de bases do clima continua por regulamentar, falta muito para adaptar o território aos efeitos das alterações climáticas, continuamos a conviver com a criação de campos de golf, com a construção em zonas protegidas, com a agricultura intensiva ambiental e humanamente insustentável e com a proliferação de jatos privados e a ter centrais de energia a gás como o Pego e a Tapada do Outeiro, por exemplo.

É mais que duvidoso, por tudo isto, que com este tipo de declarações, como a da COP 28, se consiga concretizar um compromisso capaz de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus. Para atingi-lo, devíamos cortar 43% das emissões no planeta, mas todos os anos as emissões aumentam.

O passado mês de novembro bateu o recorde de temperatura. 2023 foi o ano com mais emissões e o mais quente da história. Estamos num caminho que terá consequências catastróficas para o planeta e para a vida. Um movimento social fortemente crítico e a mobilização por um outro modo de produção e pela descarbonização de toda a economia são mais importantes que nunca. Nesta COP, presidida por um dirigente de uma empresa petrolífera, organizada por um país que depende do petróleo e onde estiveram mais de 2500 lobistas, havia poucas ilusões sobre a transparência dos processos e a capacidade de intervenção da sociedade civil. Mas terá de ser esta a fazer toda a pressão sobre o poder. Sem essa pressão, tudo o que teremos é a celebração de pequenos passos simbólicos.