O estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS) agravou-se nos últimos dois anos. A capacidade de resposta diminuiu e hoje são mais os portugueses sem os cuidados assistenciais de que necessitam. O diagnóstico é feito pelo Conselho das Finanças Públicas, num relatório divulgado ao final da manhã desta quarta-feira.
Segundo o documento, “a trajetória ascendente do número de utentes sem médico de família iniciada em 2019 não foi interrompida, observando-se um crescimento superior a 30% nos últimos dois anos”. Concretamente, dos 10,5 milhões de cidadãos inscritos nos centros de saúde no final do ano passado, 14%, num total de 1,5 milhões, não tinha um clínico atribuído. Lisboa e Vale do Tejo continua a concentrar o maior volume de utentes desprotegidos, representando 69,1% do total. A maioria (66%) dos utentes é servida por uma unidade de saúde familiar (USF), mas “recorde-se que o XXIII Governo Constitucional assumiu o objetivo de ter 80% da população inscrita em USF no final da legislatura, em 2026”.
Não conseguindo assegurar médico de família a todos os portugueses, os cuidados primários mostraram-se ainda incapazes de fazer mais. “As consultas realizadas diminuíram face a 2021, observando-se uma redução de 1,5 milhões no número de consultas médicas, assim como uma redução no volume de consultas de enfermagem, contrariando as subidas registadas nos dois anos anteriores”, lê-se no relatório. Ainda assim, há um sintoma positivo: a redução do número de consultas ficou a “dever-se ao menor volume de consultas não presenciais, uma vez que o número de consultas presenciais aumentou 16% face a 2021”.
Se nos cuidados primários o diagnóstico não é positivo, nos hospitais também não é melhor: “O número de utentes em lista de espera para a primeira consulta voltou a aumentar em 2022, bem como o número de utentes em Lista de Inscritos para Cirurgia.” Segundo os analistas, as equipas hospitalares estão a tratar um maior número de doentes, mas são ainda mais os que todos os dias ficam à espera de cuidados.
“Em 2022 observou-se um aumento contínuo da produção nas diversas áreas assistenciais. Concretamente, o número de consultas e de intervenções cirúrgicas programadas ultrapassou os valores de 2019 e de 2021. Já o número de cirurgias urgentes realizadas foi inferior ao de 2019.” No entanto, “o maior número de consultas médicas hospitalares e cirurgias programadas não foi suficiente para evitar a diminuição da capacidade de resposta do SNS nestas áreas”, alertam os analistas.
O desfasamento entre a procura e a oferta no SNS nos centros de saúde e hospitais verifica-se ainda nos cuidados continuados. “O maior número de utentes assistidos, em 2022, não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados nesse ano.” Foram assistidos mais 2060 utentes do que no ano anterior mas os portugueses a aguardar vaga foi 19% superior, com 1562 inscritos.
Para os elementos do Conselho das Finanças Públicas, o SNS está gravemente debilitado. “A menor proporção de utentes não inscritos em USF e o crescente número de utentes sem médico de família poderão pressionar os serviços de urgência e internamento, limitando o papel dos cuidados primários enquanto primeiro ponto de contacto com o SNS” e, a agravar-se esta limitação, agrava-se a procura excessiva e indevida de cuidados hospitalares. Os autores alertam que “o aumento do recurso aos serviços de urgência pressiona os hospitais e obriga-os a redirecionar recursos da atividade programada para acudir aos episódios de urgência”.
Na ausência de um funcionamento adequado, baixam os cuidados prestados e aumentam os encargos cobrados, ao Estado e sobretudo aos portugueses. Por outras palavras, haverá mais “pressão financeira sobre todo o sistema de saúde, com potenciais riscos traduzidos no crescimento das necessidades ocultas, no aumento das listas de espera e/ou no agravamento dos pagamentos diretos dos utentes por maior necessidade de recurso a prestadores privados caso o SNS não consiga responder adequadamente e em tempo útil”. Uma “situação especialmente gravosa para as famílias com menores rendimentos”, sublinham os autores.